Não há nada que amedronte mais um autor do que um bloqueio criativo, mas o dramaturgo gaúcho Diones Camargo decidiu juntar os retalhos de textos deixados pela metade em um espetáculo inédito. F.R.A.M.E.S, que estreou no final de agosto e retorna a cartaz amanhã na Galeria La Photo, é o primeiro projeto da Fábrica de Experiências Cênicas, um coletivo de atores, diretores e dramaturgos de Porto Alegre já com experiência na cena gaúcha.
Escrito para a mostra Janela de Dramaturgia, de Belo Horizonte, em 2014, e revisado dois anos depois, o texto cruza as histórias de 20 personagens, que no espetáculo foram reduzidos para 13. Quatro deles são os principais: uma palestrante que promete falar sobre relacionamentos e acaba fazendo um discurso tragicômico sobre decepção amorosa (vivida por Fernanda Petit), um roteirista em bloqueio criativo envolvido em brigas familiares que é convidado para atuar em um filme (Elison Couto), uma garçonete que trabalha em um bar e aspira à carreira de atriz (Martina Pilau) e um escritor que teve seu apartamento saqueado, incluindo o computador em que guardava seus textos (Gabriel Messias). A direção da montagem é de Carlos Ramiro Fensterseifer.
Diones não nega que, em F.R.A.M.E.S, o cinema é uma inspiração mais forte do que o teatro, e conta que escondeu um enigma na peça, ao estilo de David Lynch: qual dos personagens é o narrador de tudo que se passa em cena?
— Os personagens estão sempre verbalizando em primeira pessoa a frustração de serem narradores de alguma coisa incompleta — conta o dramaturgo. — Costumo descrever esse trabalho como um delírio visual, como nos filmes de Lynch. Quem está contando a história, construindo esse imaginário em torno dos personagens?
Cooperativa
Diones é, hoje, um dos dramaturgos mais atuantes no Estado, articulador de uma crescente cena de autores. E já colhe os resultados do trabalho. A peça A Mulher Arrastada (2018), protagonizada por Celina Alcântara e dirigida por Adriane Mottola, alcançou repercussão nacional em uma circulação pelo projeto Palco Giratório que vai até novembro. É uma recriação poética do chocante episódio real, ocorrido em 2014, em que a auxiliar de serviços Claudia Silva Ferreira foi morta pela polícia ao sair de casa para comprar pão, em uma comunidade do Rio, tendo seu corpo arrastado por 350 metros em uma viatura. A editora Cobogó tem o projeto de publicar a peça de Diones em livro.
Na Fábrica de Experiências Cênicas, ele e Fensterseifer bolaram um modo de produção diferente para um espetáculo teatral, semelhante a uma cooperativa, especialmente desenhado para um tempo de torneiras secas no financiamento à cultura. No processo de F.R.A.M.E.S, um grupo de atores pagou uma mensalidade para assistir a aulas-ensaio ministradas por Diones, por Fensterseifer e pela também diretora Liane Venturella. A receita foi revertida para a montagem do espetáculo, e a renda obtida com a bilheteria, compartilhada entre todos.
A ideia é que os projetos da Fábrica sejam anuais. Se em F.R.A.M.E.S o texto foi criado por Diones, o próximo espetáculo será escrito coletivamente em uma oficina de dramaturgia que deverá começar no final de outubro. No ano que vem, será realizada a oficina com atores, assim como no primeiro projeto. Sobre a oficina de dramaturgia, Diones comenta:
— Nosso foco será fazer com que os autores comecem a aparecer. Muitos perguntam como levar seus textos para a cena. Vamos dar a oportunidade para que coloquem seus nomes no projeto.
F.R.A.M.E.S
Nesta quinta (3) e sexta (4), às 21h, e sábado (5) e domingo (6), às 19h e às 21h.
Galeria La Photo (Travessa da Paz, 44), em Porto Alegre.
Ingressos a R$ 50, à venda na hora, no local.
No domingo, às 17h30min, haverá no local um bate-papo sobre processo criativo com Jorge Furtado e Diones Camargo. Para assistir, é preciso comprar um ingresso para a sessão das 19h.