Prestes a estrear a temporada de 36 anos de Bailei na Curva, o diretor Júlio Conte tem um receio:
— Só espero não ter que fazer outro Bailei...
Criada na época em que começava o movimento pelas eleições diretas no país, a peça descortina, com sensibilidade e bom-humor, a vida de crianças durante a ditadura militar, nos anos 1960, acompanhando-as até a juventude, na década de 1980. Remontada com diferentes elencos desde então, Bailei... jamais perdeu a atualidade, mas ganha novo significado diante do revisionismo que busca atenuar ou negar os horrores dos anos de chumbo.
— Recebo essa realidade com espanto e terror, e isso torna a peça mais importante e fundamental — avalia Conte. — Apresentamos Bailei... em Brasília no ano de 1984, e a produção achava que seríamos presos depois da peça. Fomos aplaudidos de pé. Se Bailei na Curva já foi colocada num lugar importante do teatro nacional, pelo texto e pela história, a peça mais encenada do Brasil nos últimos trinta anos, penso que os eventos tornam a peça eterna e um baluarte pela liberdade.
Fenômeno instantâneo de público, Bailei... falava o que estava engasgado na garganta dos jovens e com a linguagem deles. Distante do tom elevado dos textos clássicos, a peça escrita a muitas mãos trazia o coloquialismo das improvisações em sala de ensaio, estilo difundido no teatro brasileiro a partir de grupos como o carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, que revelou Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé e Patricya Travassos.
Bailei na Curva estreou no Teatro do IPE, em Porto Alegre, em 1º de outubro de 1983 com Cláudia Accurso, Claudio Cruz, Flávio Bicca Rocha (autor da música-tema Horizontes: "Há muito tempo que ando / Nas ruas de um porto não muito alegre..."), Hermes Mancilha, Júlio Conte, Lúcia Serpa, Márcia do Canto e Regina Goulart.
De lá para cá, foram várias montagens, envolvendo cerca de 60 atores e atrizes, segundo Conte: a primeira, nos anos 1980; a de 1994, com o elenco original e outros atores; e a dos anos 2000, com novos artistas e o uso do recurso de vídeos em cena. O elenco que sobe ao palco do Theatro São Pedro desta sexta (21) a domingo (23) conta com Ana Paula Schneider, Eduardo Mendonça, Gisela Sparremberger, Guilherme Barcelos, Laura Leão, Leonardo Barison, Manoela Wunderlich e Saulo Aquino.
— Esta é a mais bem acabada das versões, na medida em que reúne a experiência de todos esses anos. Este elenco está junto há mais de 10 anos. Deste grupo, o mais antigo é Leonardo Barison, e a mais recente foi a entrada de Gisela Sparremberger substituindo Catharina Conte, que está morando e trabalhando em Londres — diz o diretor.
Atraindo turmas escolares, Bailei... virou material didático não intencional para aprender sobre a história do Brasil. Quem já assistiu tem motivo para retornar: não apenas o elenco mudou, mas com ele a própria peça. Conte diz que ela tem sido atualizada a cada apresentação desde 1983, incorporando novas ideias ao texto final. Acabou se tornando um "clássico transgeracional", nas palavras do diretor, para quem "o humor salva não só o teatro, mas a vida da gente":
— Temas difíceis podem ser tratados com humor e delicadeza. Tem um psicanalista que escreveu que a "verdade sem amor é crueldade", e em Bailei... toda a verdade apresentada é cheia de humildade e de afeto. Não é uma peça arrogante, não deseja ensinar o que é viver, nem o que fazer, mas se importa em dividir a sensibilidade e a dúvida. Junto com o humor tem a esperança. Porém, o elemento mais importante é que Bailei... não abre mão da poesia. E a poesia sempre salva.
BAILEI NA CURVA
Sexta (21) e sábado (22), às 21h, e domingo (23), às 20h.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 40 (galeria), R$ 50 (camarote lateral), R$ 60 (camarote central) e R$ 80 (plateia e cadeira extra). À venda no site vendas.teatrosaopedro.com.br (com taxa) e na bilheteria do teatro.