Uma das mais renomadas revistas de entretenimento do mundo, a The Hollywood Reporter, em sua prévia mais recente do Oscar 2025, assinada pelo editor de premiações do veículo, Scott Feinberg, coloca Ainda Estou Aqui entre os possíveis 10 indicados à principal distinção da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: a de melhor filme.
Caso isso ocorresse, seria inédito para toda uma geração, visto que a única vez em que o Brasil figurou nessa categoria foi com O Beijo da Mulher Aranha, em 1986. E isso que a produção, dirigida por Hector Babenco (1946-2016), era uma coprodução com os Estados Unidos falada predominantemente em inglês. Ou seja, não tinha espaço para os sotaques brasileiros. Ainda Estou Aqui é uma coprodução com a França, mas falado em português.
A publicação da revista também aposta que o longa de Walter Salles possa ser lembrado em outras categorias, como de filme internacional (a que tem mais chance), roteiro adaptado e atriz, com Fernanda Torres sendo nominada. Além disso, a prévia coloca o longa no páreo para beliscar indicações para estatuetas como a de direção e a de ator coadjuvante, para Selton Mello.
Claro, nada está definido e ainda existe um longo caminho a ser percorrido pelo longa-metragem em sua jornada na busca por indicações — não basta apenas ser um filmão, precisa de um árduo trabalho por trás, com campanha, ampla distribuição e publicidade. Mas, desde já, isso está ocorrendo.
Para o crítico de cinema Waldemar Dalenogare Neto, que integra o Critics Choice Association e é autor do livro Histórias do Oscar: Os Anos Iniciais (2019), Ainda Estou Aqui "é a melhor chance do Brasil nas últimas décadas", desde a considerada época moderna das campanhas, com sessões de exibição fechadas, por exemplo.
— Os filmes do Brasil sempre têm dificuldade com distribuição, especialmente nos Estados Unidos. Ainda Estou Aqui já tem uma distribuidora consolidada, e não é pequena (Sony Classics). O filme também passa por uma temporada de festivais espetacular, a melhor de um filme brasileiro dos últimos 20 anos, porque está pegando todos os festivais possíveis do final do ano — salienta Dalenogare, relembrando que A Vida Invisível (2019), de Karim Aïnouz, especulado no Oscar 2020, tinha a Amazon Studios por trás, mas não era prioridade da empresa na premiação.
Ainda Estou Aqui vem conquistando prestígio e prêmios — como o de melhor roteiro em Veneza —, que pôs os holofotes sobre o filme. Também está encantando a crítica: no Critics Choice Awards, Fernanda Torres foi homenageada, dentro do Latino Celebration, prêmio dado a destaques latino-americanos. Tudo ajuda a impulsionar a produção.
— Walter Salles e o elenco estão a fim de entrar nesse jogo do Oscar, em que você precisa fazer sessão fechada, debate. Eles estão se movimentando nos festivais, fazendo campanha, que se iniciou nos Estados Unidos no comecinho de outubro. E, com isso, larga muito na frente — acredita Dalenogare. — Acho que Ainda Estou Aqui pode disputar, com chances, o Oscar de filme internacional. E considero o roteiro desse filme excepcional, creio que tem chances de brigar por roteiro adaptado.
É importante apontar que, antes de pensar em filme internacional, o filme escolhido pelo Brasil para representar o país precisa aparecer entre os 15 que estarão na pré-lista, a ser divulgada em 17 de dezembro. Os cinco indicados a essa categoria serão revelados juntamente com as demais categorias, em 17 de janeiro.
— Acredito que a gente tem muita chance. A resposta está sendo ótima nos festivais, os atores estão sendo muito reconhecidos. Muitas pessoas que eu conheço, de diferentes áreas, estão dizendo que o filme é incrível. Isso é um sinal de que ele está conversando com o público internacional — conta Miriam Spritzer, repórter de cultura e entretenimento nos Estados Unidos.
História universal
A trama de Ainda Estou Aqui se passa no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, quando o país enfrentava o endurecimento da ditadura militar. Um dia, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (Mello) é levado para depor por militares à paisana e nunca mais retorna. Eunice (Torres), sua esposa, então, passa a buscar pela verdade sobre o destino de seu companheiro — o que se estende por décadas.
Essa história, para Miriam, é um dos pontos fortes do filme, que tem roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega baseado no livro biográfico homônimo de Marcelo Rubens Paiva (filho do casal):
— A história consegue ser traduzida para diferentes países, comunicando-se de forma muito mais abrangente que outras produções que saíram do Brasil. Por se tratar da ditadura, ou seja, de uma questão política, é uma história que poderia ser em outros países do mundo. E, também, não faz tanto tempo assim que aconteceu, sendo ainda próxima da realidade, conseguindo invocar emoções em diferentes tipos de pessoas. Para concorrer e ganhar um Oscar, são 10 mil votantes que vêm dos mais variados backgrounds para conquistar.
Dalenogare complementa:
— É um filme que traz toda uma questão de engajamento emocional porque é uma história que aconteceu, real. Tem esse choque forte, que deixa, eu acho, as pessoas muito tocadas com o que acontece com a família. Esse é um diferencial.
Concorrentes
Um ponto que diferencia esta temporada de premiação para filme internacional da do ano passado é a falta de um franco favorito. Anatomia de uma Queda e Zona de Interesse, em 2023, despontavam como os grandes nomes para o prêmio.
Neste momento, Emilia Pérez, da França, é o possível grande concorrente do brasileiro, tendo a estrutura potente da Netflix como alicerce. Além dele, The Seed of the Sacred Fig, que representa a Alemanha, também deve entrar na briga pelo prêmio. Todos com destaque em festivais. Porém, segundo Dalenogare, a disputa está em aberto:
— Assisti a uma parte considerável da lista dos enviados internacionais. Eu destacaria Ainda Estou Aqui, Emilia Pérez e The Seed of the Sacred Fig. São três filmes muito fortes no cenário atual. Eu não cogitaria ver uma pré-lista sem eles. E dois deles devem ir para melhor filme.
Fernanda Torres
Falando especificamente da atriz, seria emocionante para os brasileiros ver Fernanda Torres indicada ao Oscar, repetindo o que ocorreu com sua mãe, Fernanda Montenegro, na premiação de 1999, quando ela foi indicada por Central do Brasil (1998). Como já citado acima, a campanha está começando e a equipe de Ainda Estou Aqui está engajada em cumprir todas as etapas necessárias para o filme ser lembrado.
— O período entre a metade de outubro e a metade de novembro é extremamente importante. E o que poderia deixar a Fernanda Torres em segundo plano seria a distribuidora — salienta Dalenogare.
No caso, a distribuidora internacional do filme, Sony Classics, também está em campanha para O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar. E, nesta obra, as duas estrelas, Tilda Swinton e Julianne Moore, estão sendo lembradas na categoria de melhor atriz. Pela trajetória delas na premiação — ambas já conquistaram estatuetas —, podem ser a preferência da empresa, ao contrário de Fernanda, que ainda é relativamente pouco conhecida nos Estados Unidos.
Miriam Spritzer, que também é jurada do Globo de Ouro, espera que, após a rodagem pelos festivais, Ainda Estou Aqui seja amplamente lançado e atinja o maior número de pessoas, para gerar maior destaque na imprensa internacional — que ela considera que ainda está pouco.
— Acho que, para as categorias de atuação, a equipe tem de fazer ainda mais barulho. A campanha pelos votos ainda está muito tímida — adiciona Miriam Spritzer.
Resta, então, esperar para ver os próximos capítulos da campanha de Ainda Estou Aqui e, claro, torcer. O Oscar 2025 ocorre em 2 de março.