— Eu sei que todos estão esperando que eu fale alguma coisa — diz Silvio Santos, interpretado por Rodrigo Faro, na primeira cena de Silvio, filme que chega às salas de cinema do país nesta quinta-feira (12).
Na sequência, o fundador do SBT celebra o fim do sequestro sofrido por Patrícia Abravanel, sua quarta filha, em 2001, sem imaginar que, um dia depois, ele próprio ficaria sob a mira de um revólver. Após escapar da polícia, o idealizador do crime, Fernando Dutra Pinto (Johnnas Oliva), invade a residência da família Abravanel e mantém Silvio Santos refém.
O episódio que chocou o Brasil serve como fio-condutor para o longa-metragem, que muito mais do que um filme sobre a trajetória do ícone da televisão Silvio Santos, é um filme sobre o drama vivido pelo homem por trás do ícone, quando vê sua vida ser ameaçada.
— A gente escolheu olhar para esse recorte da história dele, que nos dava a oportunidade de mostrá-lo de uma forma diferente, em um momento de fragilidade. É uma situação limite, em que ele se confronta com o risco da morte, e tem a possibilidade de reavaliar a própria história — explica o diretor, Marcelo Antunez.
Assim, no filme, o sequestro é o mote para que Silvio Santos revisite criticamente sua linha do tempo. As reflexões dele conduzem o público por flashbacks que perpassam diferentes núcleos, mas quem espera encontrar no longa todos os detalhes da história profissional do camelô que virou dono de emissora terá sua expectativa atendida somente em parte.
Antunez explica que o filme nunca teve a intenção de esmiuçar a biografia do comunicador — embora, através dos flashbacks, dê conta de alguns pontos cruciais. O objetivo maior é explorar narrativamente o episódio do sequestro, um thriller da vida real, e trazer novas contribuições para a imagem que todos têm construída sobre quem foi Silvio Santos.
— Para mim, é muito interessante a possibilidade de humanizar o mito, lembrando às pessoas que os mitos não existem — reflete o diretor.
— Se o filme fosse somente sobre o sequestro, acredito que já seria muito interessante, pois todas as nuances desse episódio são curiosas e extremamente tensas. Mas é, ainda, uma oportunidade de olhar por trás da cortina e ver o Silvio Santos pessoa física, com os seus dramas, seus conflitos, suas escolhas, suas vitórias e suas derrotas — explica.
Nesse sentido, ganham destaque fatos menos difundidos da biografia dele, como os problemas que tinha com o pai e a relação conturbada com a filha mais velha, Cíntia Abravanel, fruto de seu primeiro casamento. Já no que diz respeito ao sequestro, o ponto alto do roteiro de Anderson Almeida está em explorar a relação que Silvio desenvolveu com o jovem que o manteve em cárcere privado.
O diretor revela que construir as cenas que representam os dois foi um dos grandes desafios do filme, pois somente eles sabiam o que de fato havia acontecido no cômodo em que o sequestro se deu. Apesar disso, a opção da equipe foi por não entrevistar Silvio Santos para a composição do roteiro, a fim de garantir maior autonomia narrativa. Foram consultados testemunhas que acompanharam o episódio, como o policial responsável pelas negociações, e os relatos descritos na biografia escrita por Elias Awad sobre Fernando Dutra Pinto, que morreu em 2002.
Transposto ao filme, o resultado das pesquisas realizadas pela equipe conclui que o apresentador adotou postura paternal com Fernando, à época com 22 anos. Percebendo o desespero do jovem, que temia ser morto pelas forças policiais, Silvio Santos toma a frente nas tratativas com as autoridades e faz de tudo para garantir que a integridade dele seja preservada, mobilizando até mesmo o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin — que aparece como personagem do longa, mas não é citado nominalmente.
— Juntando as peças, a interpretação que nós fizemos é de que o Silvio acaba se importando verdadeiramente com o Fernando — relata o diretor. — Há vários momentos em que ele tem a oportunidade de escapar e deixar o sequestrador na fogueira, mas não faz. Ele olha para o Fernando e entende que precisa ajudá-lo, porque enxerga um garoto que tem pai, que tem mãe, alguém que tinha que pagar pelo que fez, mas não tinha que morrer por isso.
Já o falecimento de Silvio Santos pegou de surpresa a equipe envolvida no filme. O apresentador partiu em 17 de agosto, sem a chance de assistir à produção. As pré-estreias, que estavam marcadas para a semana seguinte, foram adiadas.
A estreia foi mantida para esta quinta-feira, mas não deve ter o mesmo sabor, conforme Antunez:
— É uma sensação agridoce. Lançar um filme é um momento tão esperado, um momento de tanta alegria, mas agora está envolto na tristeza de perder a figura que a gente está retratando, que representa tanto para o Brasil.