Nostalgia vende. E esta máxima foi colocada à prova por Hollywood nos últimos anos, com o público recebendo continuações tardias de clássicos — ou quase isso — do cinema. Outras foram feitas antes, mas após Top Gun: Maverick (2022) ir lá e mostrar que é possível fazer mais sucesso do que a obra original, faturando quase US$ 1,5 bilhão, abriram-se as porteiras para outras sequências que querem um pouquinho desta glória.
Este ano, por exemplo, estreou Twisters, seguindo com a história de Twister (1996), quase 30 anos depois. E eis que a o mercado audiovisual brasileiro, atento ao que acontece na outra ponta das Américas, decidiu exportar esta tendência. Apenas em 2024, quatro importantes títulos do cinema nacional ganharam — ou ganharão — suas continuações, com vários anos de distância da obra original.
O primeiro a ocupar seu espaço foi Nosso Lar 2: Os Mensageiros, que deu sequência à história do drama espírita Nosso Lar 14 anos depois da obra original ter levado 4 milhões de pessoas aos cinemas. Lançada em janeiro deste ano, a continuação também fora um sucesso, sendo a segunda maior bilheteria nacional do ano, com 1,6 milhão de espectadores.
— Tem muito o fator nostalgia. As pessoas querem rever aqueles personagens de que gostam tanto. O brasileiro está pedindo até sequência de novelas. E, se Hollywood está fazendo este movimento com os filmes, por que nós não vamos fazer? — diz Bruna Haas, jornalista cultural, integrante da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs) e editora do portal Vigília Nerd.
Desde quinta-feira (29), está nos cinemas nacionais uma sequência improvável: Estômago 2: O Poderoso Chef, continuação de Estômago, de 2007 — este último, por sinal, chegou a ser relançado nas salas de exibição para fazer um "aquece" com o público, em uma cópia restaurada. Foram 17 anos entre o primeiro e o segundo título.
E este caso é interessante de analisar porque o filme, apesar de levar cinco prêmios do Festival de Cinema de Gramado deste ano, dividiu opiniões. E um dos principais motivos tem relação, justamente, com a nostalgia: a produção tira o protagonismo de Raimundo Nonato (João Miguel) e dá para Don Caroglio (Nicola Siri). Ou seja, a principal ligação com o filme anterior tem menos importância neste novo.
Em outros meios
Cidade de Deus: A Luta Não Para, série da plataforma de streaming Max, estreou em 25 de agosto e dá sequência aos acontecimentos de um dos maiores clássicos do audiovisual brasileiro, Cidade de Deus (2002). Desta vez, o projeto é conduzido por Aly Muritiba (Cangaço Novo) e busca uma nova linguagem para fisgar o público, mas sem deixar de lado personagens conhecidos do filme original.
— A indústria cinematográfica parece acreditar que, trazendo de volta velhos personagens, vai trazer de volta também o público que, durante a pandemia, acelerou o processo de acomodação diante do streaming. Pode funcionar, como provam as bilheterias bilionárias Top Gun: Maverick e Divertida Mente 2. Mas esperta é a HBO, que resgatou Cidade de Deus já em forma de série televisiva — salienta o crítico de cinema do Grupo RBS Ticiano Osório.
Este, então, é um caminho mais fácil para se obter um sucesso, apostando em algo que já deu certo no passado e que se fixou no imaginário popular. Porém, também pode refletir a dificuldade de emplacar novos projetos — será que falta criatividade ou receio dos estúdios em investir em ideias novas que não foram testadas?
— O Brasil está alinhado a Hollywood, onde continuações, ou seja, uma aposta no que já deu certo, nunca saíram de moda. Mas agora a inibição da invenção caminha lado a lado com a reverência à nostalgia. Ao retomar filmes que foram lançados 20, 30, 40 ou quase 50 anos atrás, a indústria cinematográfica se mostra refém do passado — complementa Ticiano.
Vem mais por aí
Se Nosso Lar, Cidade de Deus e Estômago já ganharam as suas sequências, outros títulos populares vão ir pelo mesmo caminho. No Natal deste ano, O Auto da Compadecida 2 estreia nos cinemas, prometendo ser um grande sucesso, vide o fenômeno atemporal do título original, lançado em 2000. E, claro, terá novamente Matheus Nachtergaele e Selton Mello como protagonistas, revivendo uma das duplas mais conhecidas do audiovisual nacional: João Grilo e Chicó.
E se um novo episódio da adaptação da obra de Adriano Suassuna era muito pedida pelos brasileiros, outra totalmente inesperada também decidiu surfar nesta mesma onda: Bruna Surfistinha 2 foi anunciado no final de julho, 13 anos depois do longa original, que adapta o livro O Doce Veneno do Escorpião: O Diário de uma Garota de Programa (2005), escrito por Raquel Pacheco, a partir de suas vivências. Uma data de estreia ainda não foi anunciada.
— Trabalhar na certeza de um público que não procura tanto fica mais fácil, sim. É o mercado apostando em algo que já sabe que as pessoas gostam, muito mais seguro do que investir em um projeto que não se sabe se a pessoas vão ir assistir — complementa Bruna, apontando que os rumos da indústria cinematográfica são, de fato, ganhar dinheiro sem ter que pensar muito.