Dos socos simbólicos que a vida pode dar, talvez o sofrido por Ademar, protagonista de Dente por Dente, seja um dos mais dolorosos. Estreia da semana nos cinemas da Capital, o thriller de Júlio Taubkin e Pedro Arantes mostra uma reviravolta na vida do personagem, vivido por Juliano Cazarré, a partir do desaparecimento de seu sócio, Teixeira (Paulo Tiefenthaler).
Os amigos são donos de uma empresa de segurança particular que presta serviços para uma grande construtora de São Paulo. Com o sumiço do parceiro, Ademar vê sua vida perder o rumo e, inconformado, decide investigar tudo por conta própria. O que ele não contava é que Teixeira estaria envolvido em um grande esquema criminoso atrelado a poderosas imobiliárias. O negócio ilegal interfere, inclusive, em ocupações de prédios abandonados da capital paulistana.
Dente por Dente instiga o espectador a conhecer bem onde pisa, tanto no sentido literal como no psicológico, observa Pedro Arantes, em entrevista por vídeo a GZH:
— O filme pede para olharmos onde estamos exatamente. Muitas vezes, não sabemos o que tinha anteriormente no terreno onde habitamos. Cada lugar tem uma memória, uma alma, e muitas vezes não prestamos atenção nisso. A nossa história tem a ver com essa relação: é preciso sentir as nossas vidas em todos os sentidos e saber para onde estamos indo.
Desigualdade
Com o evoluir da trama, Ademar conta com a ajuda de Joana (Paolla Oliveira), mulher de Teixeira. O protagonista chega a ter sonhos que traduzem sua fraqueza. De olhos abertos, no entanto, expressa brutalidade. Por isso, os cineastas acreditam que a presença de Cazarré seja um dos grandes acertos da produção.
— Juliano tem um misto entre essa brutalidade, que até dá a impressão de ser como um justiceiro da verdade na história, mas tem fragilidades. Faz um personagem trágico, mas que carrega o filme nas costas. Juliano tem essa dualidade que define bem o Ademar — acredita Júlio Taubkin.
O empresário lida com outras questões enquanto evolui na investigação. Mais do que um thriller, Dente por Dente se propõe a falar da sociedade e da forma como ela lida com a violência social e a luta por moradia. Essas discussões são centralizadas a partir do momento em que Ademar acaba tendo de lidar com a ocupação por moradores de rua de um prédio no meio de São Paulo. Essas cenas foram filmadas na Barra Funda, região da cidade que tem algumas das maiores ocupações verticais da América Latina. Assim, o longa-metragem lança um olhar sobre a desigualdade social e econômica que vigora em todo o país.
— A pandemia, é claro, ajudou a deixar a desigualdade mais na nossa cara, até pela diferença quando um pobre e um rico procuram atendimento caso sejam infectados pelo coronavírus. Por isso, o filme deve reverberar ainda mais hoje, porque esse modelo de sociedade que temos gera muitas discrepâncias — diz Arantes.
Outro aspecto que deve chamar a atenção dos espectadores são as participações especiais de Renata Sorrah e Paolla Oliveira. Esta, atualmente no ar como Jeiza na reprise de A Força do Querer, na RBS TV, tem um papel mais “melancólico”.
— Tínhamos vontade de trazer alguns clichês do gênero, como essa figura da femme fatale, que é a personagem da Paolla. Ela acaba refletindo o inconsciente de Ademar e conseguiu subverter essa confusão de sonho ou realidade que precisávamos para a narrativa — acredita Taubkin.
Adaptação
Dente por Dente é o primeiro longa-metragem de Arantes e Taubkin. Sócios de uma produtora, a dupla desenvolveu o projeto para ser uma série de TV a partir de um roteiro de um curta assinado por Arthur Warren. Anos depois, a trama foi adaptada para um longa pelo trio, em parceria com Angelo Ravazi. Durante todo esse processo, a paixão deles por thrillers do cinema coreano foi fundamental.
— Essa ideia de ver que o Estado participa menos e que a polícia não está presente, colocando os indivíduos agindo por conta própria, é o que nos moveu no roteiro — explica Taubkin.
No ano passado, outra produção brasileira, o seriado Bom Dia, Verônica, da Netflix, ajudou a mostrar que tramas de ação que desenvolvem em paralelo questões sociais têm forte apelo com o público. Sucesso de visualizações, a série já teve uma segunda temporada confirmada. Com Dente por Dente, os cineastas esperam que o efeito seja o mesmo.
— A literatura brasileira de suspense é forte, mas o audiovisual ainda precisa ampliar isso. O fortalecimento da indústria, de julgarmos os filmes mais pelo gênero em si e não definindo-os somente como uma “obra brasileira”, está nos ajudando nessa história — finaliza Arantes.