Filmes que retratam a vida de personalidades e estrelas reais do mundo do entretenimento formam um gênero com fôlego próprio – e com seus clichês inescapáveis. O artista é acompanhado da infância difícil a uma primeira consagração, logo seguida de uma queda em desgraça que o mergulha em um abismo do qual só se libertará por meio de sua arte. Judy: Muito Além do Arco-Íris, cinebiografia da icônica Judy Garland (1922-1969), toma alguns cuidados para contornar essa fórmula, mas o resultado é um filme muito semelhante a várias “biografias artísticas” dos últimos anos: uma narrativa mediana que se sustenta no brilho do intérprete encarregado de dar corpo ao personagem.
Atriz que conheceu uma ampla popularidade ainda na infância, Judy foi uma das mais icônicas intérpretes da chamada Era de Ouro de Hollywood. Ao longo de 40 anos de carreira, foi artista de vaudeville, cantora, atriz premiada com o Oscar ainda na adolescência e estrelou grandes filmes – o mais conhecido deles O Mágico de Oz (1939). Vitimada por uma rotina de abusos na infância, Judy desenvolveu na idade adulta uma forte dependência de drogas e álcool que acabou por eclipsar sua carreira e prejudicar seu relacionamento com os próprios filhos, entre eles as mais tarde atrizes Liza Minelli e Lorna Luft.
Judy flagra a atriz em seu último ano de vida, em um momento de intensa crise pessoal. Está divorciada do terceiro marido, mora em (e é despejada de) hotéis, apresenta-se por quantias modestas em lugares cada vez menores, e é um nome marcado na lista dos estúdios de Hollywood como uma profissional difícil e pouco confiável.
Para garantir dinheiro para lutar pela guarda dos filhos, Judy aceita a proposta de uma série de shows em Londres, cidade onde seu nome ainda conserva certa mística. Esse é o foco da maior parte de Judy, com eventuais flashbacks que a mostram no passado: a audição para O Mágico de Oz, o controle abusivo do estúdio MGM sobre sua vida, incluindo forçá-la a dietas de fome e a jornadas de trabalho extenuantes, que ela enfrenta com pílulas oferecidas por seus próprios empregadores.
Simetria
Judy é interpretada por Renée Zellweger, uma das grandes atrizes reveladas no fim do século passado, e que, após emendar um sucesso atrás do outro, recolheu-se dos holofotes na última década, alegando ter passado muito tempo sem conseguir “cuidar de si mesma” em seu período de maior atividade profissional.
Renée é uma grande atriz, uma das cinco indicadas ao Oscar deste ano, e sua interpretação dos trejeitos, da postura e do gestual de Judy é impecável. Sua interpretação das canções, embora afinada, é outra história. Sua voz no lugar da voz poderosa de Judy é um dos momentos em que a ilusão se quebra. Um problema do filme, contudo, é o quanto ele parece se apoiar mais nessa simetria entre intérprete e personagem e menos na trajetória da própria Judy.
A ideia de focar um período preciso de tempo condensa a narrativa, mas mutila o tamanho da personagem, já que pouca coisa além de diálogos ajuda a estabelecer Judy como o mito que foi. O filme se equilibra, nem sempre com sutileza, entre os fatos e a alegoria, sem dar nuances à trajetória da atriz.
Uma vida trágica
Nascida Frances Ethel Grum em Minessota, nos Estados Unidos, Judy participou de um grupo artístico com suas irmãs antes de se tornar uma aposta dos estúdios MGM de Louis B. Mayer.
A carreira de Judy incluiu uma série de filmes com o então também astro juvenil Mickey Rooney. Versátil e com voz poderosa, fez de musicais a dramas.
Hoje é mais conhecida por seu papel como Dorothy em O Mágico de Oz, filme com produção traumática responsável pelo início de seu vício em drogas. Morreu de uma overdose acidental em 1969, com apenas 47 anos.