A garotada brasileira teve Xuxa e suas brincadeiras histéricas. Os meninos americanos cresceram assistindo a Mr. Rogers e seus conselhos para a vida. A única semelhança entre esses apresentadores de TV voltados ao público infantil é a grande audiência que cada um teve em seu país. Fred Rogers foi um tipo único, e um novo filme estrelado por Tom Hanks mostra bem isso.
Um Lindo Dia na Vizinhança traz o ator exatamente como ele gosta – numa história edificante, interpretando um personagem real. Vai arrebatar novamente elogios pela incrível composição de Rogers, um sujeito que é obscuro por aqui, mas conhecidíssimo do público americano. E o filme não fica só nessa cópia caprichada.
Na verdade, é um pouco equivocado chamar Um Lindo Dia na Vizinhança de cinebiografia. Embora mostre Rogers gravando seus programas de TV e um pouco de seu dia a dia, o foco não está nele. O personagem central é um repórter, interpretado com intensidade por Matthew Rhys, da série The Americans.
Uma das estrelas do jornalismo investigativo, Lloyd Vogel é repórter da revista Esquire e consegue grandes matérias. Parte para cima dos entrevistados. Tanta agressividade acaba trazendo problemas.
Como praticamente nenhum entrevistado aceita mais receber Vogel, sua editora dá a ele uma pauta tranquila. Tranquila demais. Ao receber a tarefa de fazer um perfil de Rogers, ele fica inconformado, mas é obrigado a ir.
Antes do primeiro encontro entre Vogel e Rogers, o filme trata de mostrar como a vida pessoal do jornalista está num momento delicado. Com filho pequeno e casamento feliz, ele é procurado por seu pai, que há muito tempo deixou de fazer parte de sua vida. Não aceita suas desculpas e rejeita sua aproximação.
Aí o filme assume contornos fantásticos. Quando ele passa a ter encontros com Rogers, parece que, de forma mágica, o apresentador cutuca feridas do relacionamento do jornalista com o pai. Isso vai tornar difícil o trabalho de Vogel, mas tudo tem uma boa razão para acontecer. Afinal, é um filme estrelado por Tom Hanks.
Reconciliação
Aos poucos, Rogers vai ganhando a confiança do repórter e, de certa forma, manipula a vida do entrevistador com a visível intenção de deixá-lo mais próximo da reconciliação.
Resumido dessa forma, Um Lindo Dia na Vizinhança poderia ser piegas até enjoar, mas não é bem assim que a coisa funciona. Por causa da boa interpretação de Rhys e da estupenda performance de Hanks, o relacionamento dos dois flui na tela. O espectador reconhece estar vendo um filme que pretende chegar a momentos de ternura excessiva, mas há uma inteligência guiando o roteiro e a direção de Marielle Heller.
Há algumas boas sacadas visuais. Em seu programa de TV, Rogers comanda marionetes num cenário bonitinho e antiquado. Deve ser levado em conta que o programa pouco mudou desde a estreia, em 1968, e suas últimas transmissões, em 2001. O filme brinca ao recriar a cidade de Pittsburgh em maquetes no mesmo estilo do cenário.
Pedagogo, ministro da igreja presbiteriana, escritor para crianças e adultos, autor das canções que interpretava na TV e ativista vegetariano, Fred Rogers morreu em 2003, de câncer, aos 74 anos. Ele entra na galeria de tipos reais que Hanks levou para a tela.
Na filmografia do ator, o novo personagem faz companhia a Walt Disney, Jim Lovell (comandante da Apollo 13), Chesley “Sully” Sullenberg (piloto que pousou um avião no rio Hudson) e o editor Ben Bradlee, esse último no espetacular The Post.
Mesmo em algumas partes do filme servindo de escada para Matthew Rhys, Tom Hanks é o fio condutor de uma história bem contada, e foi indicado ao próximo Oscar de ator coadjuvante.
Ele transforma Um Lindo Dia na Vizinhança em uma boa atração também para quem, como a maioria dos brasileiros, nunca tinha tido contato com Fred Rogers.