Realizado em parceria por Brasil e Argentina, o longa-metragem Happy Hour – Verdades e Consequências é um das estreias da semana no circuito de cinemas. Rodada no Rio, a comédia dramática combina em seu elenco brasileiros (Letícia Sabatella, Chico Díaz e Aline Jones) e hermanos (Pablo Echarri e Luciano Cáceres).
Para o diretor paraense Eduardo Albergaria, estreante em longa de ficção, o intercâmbio foi bastante rico, tanto do ponto de vista profissional quanto do humano.
– Como eu imaginava, temos mais em comum com os argentinos do que muitos nos fazem crer, fomentando uma rivalidade que não faz sentido. Quem ganha com isso? Certamente não os brasileiros, nem os argentinos. Tanto no cinema quanto na vida, enfrentamos desafios muito similares. Ou seja, ambas as nacionalidades podem se beneficiar mutuamente compartilhando eventuais soluções encontradas e o aprendizado com os erros cometidos – avalia Albergari
O diretor vê no cinema latino-americano uma espécie de milagre:
– Só existe em função da capacidade de invenção de todos os envolvidos, invenção que tem como combustível a inescapável necessidade de reiterar que existimos. Diante da invasão implacável dos super-heróis nas telas, me parece óbvio e estratégico que nós, adultos e reles mortais, possamos unir forças e buscar parceiros que tenham sensibilidades e conflitos semelhante, que tenham, como nós, o objetivo e o desejo de contar histórias sobre nós mesmos, sobre o aqui e o agora.
Na trama, Pablo Echarri (de Crônica de uma Fuga e O Método) interpreta Horácio, um professor universitário argentino que mora no Brasil há 15 anos com a esposa, Vera (Letícia Sabatella), deputada estadual no Rio de Janeiro. Acidentalmente, ele se torna um herói para os cariocas. Ao mesmo tempo, Horácio decide seguir seus desejos e propor à companheira um relacionamento aberto.
Mas a ideia não é aceita por Vera, que pensa na separação. No entanto, a fama do marido catapulta sua candidatura à prefeitura do Rio, o que a lança num dilema: segurar o casamento para garantir sua eleição ou acabar de vez o relacionamento.
Albergaria, que assina o roteiro com Ana Cohan, Carlos Arthur Thiré e Fernando Velasco, conta que o filme nasceu quando estava escrevendo uma peça de teatro:
– A peça virou filme e Horácio, após sua proposta, aprende que o custo de dizer a verdade, sendo razoável ou não, é alto. Lamentavelmente, pois quem diz a verdade pode estar cometendo um “sincericídio”. O valor da verdade, pois, é relativo.
Segundo o diretor, Happy Hour surgiu a partir de uma dúvida que ele considera sincera:
– Qual será o custo de dizer a verdade? Dizer a verdade na vida privada, na vida pública e também na imprensa? Cresci ouvindo e me pautando pelo ditado “a mentira tem pernas curta”. Enfim, creio que, mais do que a mentira, o oposto da verdade talvez sejam os silêncios, as lacunas, as omissões os motores da vida civilizada. O que não dizemos. O que elegemos ver e não ver. Com este filme busquei desafiar um pouco esse limite.
Confira a entrevista com a atriz Letícia Sabatella:
O filme mostra o lado machista da política, como também do Horácio, que não quer fazer uma escolha, quer ser atendido em seu desejo e manter a velha estrutura com a fiel esposa em casa"
LETÍCIA SABATELLA, ATRIZ QUE INTERPRETA DEPUTADA EM "HAPPY HOUR"
Em Happy Hour, você interpreta uma deputada. Que inspirações buscou para o papel?
O Edu, nosso diretor, me deu a Vera propondo que minha alma fosse a máscara da personagem. Já no roteiro a personagem era descrita uma política humanista. Honesta, ética. Sim, temos exemplos dessas mulheres tão corajosas, de Erundina a Marielle Franco. Certamente me inspiraram.
Happy Hour é uma comédia que reflete sobre monogamia, desejos reprimidos e até que ponto falar a verdade vale a pena. No entanto, permeia também a representatividade feminina na política. De que maneira essa temática é trabalhada?
Edu foi perspicaz na sacação dessa problemática que enfrentam as mulheres nos espaços públicos, nos cargos de liderança. A dificuldade do apoio da sociedade como um todo, na família e no espaço de trabalho. O filme mostra o lado machista da política, como também do Horácio, que não quer fazer uma escolha, quer ser atendido em seu desejo e manter a velha estrutura com a fiel esposa em casa. Sem noção de limites, o atrapalhado rouba o protagonismo de Vera, a desvaloriza em prol de uma moça mais nova.
Como você avalia a proposta que Horácio faz a Vera?
É honesta e surpreendente. Mas impositiva demais para um diálogo amoroso entre um casal. Digamos que parece um tanto desestabilizadora, senão destrutiva, a imposição. Ela, apegada ao seu casamento idealizado, também enfrenta seu preconceito e acaba se curando da sua caretice. Enfim, a vida real atrapalha seus planos e a heroína tem que passar a existir com essas cicatrizes. Como o casamento de Vera e Horácio.