— O lance é mostrar a emergência climática. Esse projeto é uma manifestação desse alerta. Um convite para interagir com imagens com potência plástica, estética. E nada mais justo de quem sentiu isso de verdade, não só na íris do olhar, mas, também, no coração, porque trata-se de fazer uma tragédia dentro do nosso quintal — conta Jefferson Botega.
O fotojornalista de Zero Hora é um dos 11 profissionais selecionados para compartilhar os registros realizados na enchente de maio de 2024, a maior da história do Rio Grande do Sul. A partir destas imagens, serão organizados um livro e uma exposição, dividindo a cheia em três fases: a Força da Água, a Força da Solidariedade e a Força da Reconstrução.
A ideia do projeto, chamado provisoriamente de Cidade de Águas, assim como o seu financiamento, partiu de um escritório de arquitetura de Porto Alegre, capitaneado pelo arquiteto e empresário Márcio Carvalho. A organização da iniciativa fica sob responsabilidade da jornalista Cláudia Aragón, que convidou os 11 fotógrafos — sendo 10 deles gaúchos — a compartilharem as suas visões sobre a tragédia.
— Assim como em 1941, quando Sioma Breitman registrou com maestria a enchente e, até hoje, o seu relato fotográfico é muito importante, a gente quis recrutar um grupo de fotógrafos para estabelecer o seu olhar também, não só do ponto de vista de registro. Os convidados foram chamados pela capacidade que têm de trazer força para as suas imagens e produzir reflexão, catarse, até mesmo para quem não vivenciou de perto a tragédia — salienta Carvalho.
Além de Botega, os profissionais Fernando Bueno, Raul Krebs, Nilton Santolin, Fernanda Chemale, Alexandre Raupp, Zuza Sefrin, Popy Martins, Fabiano Benedetti e Nathan Carvalho estão entre os selecionados do Estado. O grupo se completa com Brian Baldrati, de Curitiba, que registrou por iniciativa própria histórias de pessoas atingidas na região de Lajeado. Ainda não foi decidido quantas fotos de cada profissional serão escolhidas, mas a ideia é buscar o impacto através da estética da tragédia.
O fotojornalista de Zero Hora pretende apresentar trabalhos feitos no Vale do Taquari, onde começou a tragédia, até chegar a Porto Alegre. Ele destaca uma foto que fez na Avenida Getúlio Vargas, no bairro Menino Deus, durante a noite.
— A foto é toda vermelha, é mais plástica. Foi uma coisa que veio na minha cabeça, porque eu lembrava das imagens de 1941, das enchentes na Região Metropolitana, no Vale e na Serra, mas não lembrava de fotos noturnas. Fui instigado a trazer um outro olhar sobre a mesma coisa — destaca.
Botega complementa, explicando a intenção do projeto em explorar a tragédia para, com isso, gerar transformações:
— De certa forma, o caos também tem uma estética. Também tem uma organização. Organizando, a gente acaba causando impacto. Com esse impacto, causa-se uma reflexão nas pessoas. E, a partir da reflexão, ocorrem as mudanças.
O iniciativa que ainda não tem data de lançamento, deverá apresentar outras expressões artísticas sobre o tema, com curadoria do artista plástico André Severo, que já atuou como produtor ou curador das Bienais de São Paulo, do Mercosul e de Veneza.
— A gente fez esse investimento, tanto para apoiar os fotógrafos quanto para contratar a curadoria e a edição, porque imaginamos que outros empresários vão querer se associar para ampliar o projeto. O objetivo é que qualquer tipo de recurso econômico gerado vá apoiar projetos sociais no Rio Grande do Sul — finaliza Carvalho.