Francisco Dalcol
Diretor-curador do Margs. Doutor em Teoria, Crítica e História da Arte
Cristina Barros
Curadora-assistente do Margs. Bacharela em História da Arte
A produção de Rogério Nazari e Telmo Lanes se inscreve em um contexto específico entre os anos 1970 e 80, caracterizado por importantes transformações no campo artístico do Rio Grande do Sul.
De uma parte, marcado por iniciativas ousadas de veiculação e afirmação das concepções e práticas contemporâneas. E de outra, por reações de contrariedade quanto ao impacto dessa renovação, por parte de uma geração estabelecida anteriormente com as conquistas dos valores artísticos modernos.
Estabelece-se aí um produtivo choque geracional, mas que é sobretudo conceitual, de entendimento e atitude sobre a função e o papel do artista.
Lanes participa do grupo de artistas em torno do cartazete Nervo Óptico (1976-1978), fundamental para a inserção e recepção públicas das linguagens contemporâneas no cenário regional. E com Nazari integra o coletivo reunido no Espaço N.O. – Centro Alternativo de Cultura (1979-1982), emblemática iniciativa no histórico de espaços coletivos, multidisciplinares e autogestionados mantidos por artistas na Capital.
Em comum, foram experiências de defesa de manifestações artísticas não convencionais, vinculadas sobretudo às práticas vindouras dos conceitualismos e experimentalismos vanguardistas dos anos 1960 e 70.
Assim, na passagem daquela Porto Alegre da década de 1970 para a de 80, ambas as iniciativas concatenaram uma renovadora produção, que envolvia fotografia, performance, arte postal e instalações, além de estratégias e mídias gráficas como fotocópias, carimbos, estêncil, cartazes e publicações de artistas.
Em sequência às experiências do Nervo Óptico e do Espaço N.O., Nazari e Lanes prosseguiram nos anos 1980 sintonizando com os tempos vindouros. Não com o “boom” comercial do denominado “retorno da pintura” que pautou o período, ainda que aderissem ao pintar. Mas mais precisamente à cultura comportamental atrelada às referências do pós-punk e do dark-gótico, tendo o som do rock, o visual do vestir e o prazer coletivo da vida noturna como índices de identidade.
Aproximados pela amizade e os interesses artísticos, os dois passam a trabalhar em conjunto, colaborativamente, mantendo essa atuação de modo constante durante a metade da década de 1980. PULSE: Rogério Nazari e Telmo Lanes – Trajetórias 1976-2022 faz um resgate da parceria, contemplando ainda um panorama das produções individuais de ambos.
A exposição contempla desde as produções individuais da época do Nervo Óptico e do Espaço N.O., apresentando trabalhos definidores e referenciais das poéticas de ambos. Ao que se seguem obras posteriores desenvolvidas ao longo de suas pesquisas até o presente, a maioria delas pouco vistas e muitas sendo “redescobertas” nesta oportunidade.
Se na produção de Nazari se sobressaem as estratégias da arte postal e da arte xerox junto à temática da homoafetividade, na de Lanes é a investigação sobre a formação do olhar e a subversão irônica da materialidade artística. Em ambos, tendo o corpo como território de possibilidades expressivas.
Outro segmento da exposição resgata a produção realizada conjuntamente pela dupla, englobando ao menos três momentos. Um deles é a instalação e performance Porquê Choras? (sic), de 1985, recuperada numa sala com projeções e reproduções de registros documentais, fotográficos e audiovisuais.
Um segundo momento é o resgate da história em torno da pintura feita pela dupla e que integra o acervo do Margs. Intitulada O Remorso, foi realizada em 1986, no âmbito do Projeto Releituras, no qual artistas eram convidados pelo museu a propor releituras de obras da coleção. Nazari e Lanes reinterpretaram uma pintura de Pedro Weingärtner, justamente O Remorso (1902), e as apresentaram juntas na ocasião, propondo uma instalação – que agora é recriada no foyer do Margs.
Por fim, é resgatado um terceiro momento da atuação conjunta dos artistas, com a recriação da sala por eles criada na 19ª Bienal de São Paulo, em 1987, a partir de sua remontagem parcial. Juntamente à recriação do cenário da época, estão reunidas as pinturas que foi possível localizar entre as originalmente apresentadas.
O conjunto é representativo do direcionamento que Nazari e Lanes deram à produção realizada em coautoria à época. É a via de uma pintura figurativa que resulta de alto investimento na habilidade da fatura. E pautada por um caráter simbolista e mesmo romântico, também informado pela história da arte, articulando temas e motivos que versam sobre vida, morte e existência, relacionados à cultura cristã, à tradição ocidental e aos valores de movimentos artísticos como o maneirismo. Uma sofisticação aprofundada e erudita, porém tensionada por elementos distópicos, niilistas, “decadentes” e até por manifestações da dita baixa cultura como o kitsch.
PULSE: Rogério Nazari e Telmo Lanes – Trajetórias 1976-2022
Curadoria de Ana Albani de Carvalho, Cristina Barros e Francisco Dalcol. Produção de José Eckert. Até 14 de maio no foyer e no segundo andar do Museu de Arte do Rio Grande do Sul – Margs (Praça da Alfândega, s/nº, em Porto Alegre). Outras informações em margs.rs.gov.br.