Em um hospital de Porto Alegre, com o filho recém-nascido internado, Clair Schmitt Hoffmann ouviu da enfermeira de plantão: "Mãezinha, não chora, mas teu filho tem 1% de chance de vida". A resposta dela veio de imediato.
— Eu vou levar esse 1% para casa. E hoje esse 1% é o meu orgulho, o meu exemplo de vida — recorda Clair, 71 anos.
O 1% calculado pela equipe médica derrubou as estatísticas, tornou-se Jeferson Luís Hoffmann, 36 anos, único morador do Rio Grande do Sul a integrar a Associação dos Pintores com a Boca e os Pés (APBP), grupo que reúne mais de 800 artistas de 75 países. Sem coordenação nos braços e nas pernas, o artista gaúcho cria quadros com o pincel entre os dentes.
— Pintar é a minha alegria. Uma maneira de ocupar a mente — define Jeferson.
O pintor recebe uma bolsa paga pelo grupo, sediado na Suíça. Recentemente, três de suas criações foram escolhidas para estampar cartões-postais que são enviados pela associação a endereços aleatórios, junto de envelopes e o número da conta para depósito de quem se sensibilizar pelo presente.
— Ele se ocupa, ele nos ensina diariamente e não recebe dinheiro por caridade, mas sim porque trabalha — afirma o pai, Remi Hoffmann, 70 anos.
No ateliê, em Nova Petrópolis, na Serra, são mantidos o cavalete para apoio das telas, centenas de vidros de tinta e pincéis de formas e tamanhos variados. Trabalhos em execução ou já finalizados decoram as paredes de madeira. Ao lado das janelas, a paisagem da região dos vales, inspiração para muitas das obras.
— Mais do que pintar, gosto é de passear — diz Jeferson, sorrindo, sobre os momentos de contemplação quando os pais o levam, na cadeira de rodas, aos campos da cidade.
Sonho de voltar a expor
Antes de a pandemia fechar o que era considerado não essencial, o artista teve painéis expostos na Assembleia Legislativa do Estado e em espaços de arte mundo afora. Outros tantos foram vendidos, mas o desejo é retornar às galerias, o que deixou de ocorrer.
O processo criativo é próprio, mas conta com a ajuda da professora Marta Liana Buhs, 48 anos. Ela conheceu Jeferson quando ele tinha 10 anos e frequentava a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do município. Marta passou a frequentar a casa da família e há anos é quem mistura os tons, ajusta a tela e posiciona o pincel na boca do pintor.
— É difícil definir em palavras o sentimento que tenho. É uma gratidão estar com ele e com essa família, que por vezes também é a minha família. A alegria dele é a minha alegria — garante a educadora.
Com os movimentos da cabeça, o óleo é espalhado no contorno previamente desenhado por Jeferson. A dupla parece não precisar conversar nos momentos de troca dos instrumentos ou das cores — um olhar e Marta já muda o insumo para acertar o contorno. Por vezes, ela inclina a tela ainda em branco e reforça o suporte para não desabar.
— Lá na infância, chegamos a colocar o pincel na mão dele, mas desse jeito não era a arte dele. Agora ele que cria — complementa a professora.
Meningite
Ainda com o improvável 1% em mente, os pais explicam que a deficiência de Jeferson foi desenvolvida nos primeiros dias após o parto. O bebê nasceu prematuro, após seis meses de gestação, com 1,75 kg, contraiu meningite e teve quadros de apneia, em que passava alguns segundos sem respirar. O cérebro dele foi afetado pela falta de oxigênio e, além da coordenação motora, ele teve a cognição reduzida.
Já as risadas se mantêm a pleno, em especial quando escuta músicas de bandinhas alemãs, suas favoritas. Ouve atento as piadas das visitas e gargalha ao lembrar de dois humoristas que brincam com o sotaque marcante dos descendentes germânicos: Willmutt e Albino Wallsmaia.
Remi pondera um único ponto não superado pelo filho: o ciúme dos sobrinhos, que atualmente dividem a atenção dos familiares.
— São bagunceiros — justifica Jeferson, meio brincando, meio falando a verdade.
Quem desejar conhecer o ateliê pode fazer contato com o pai do artista pelo telefone (54) 9-9659-0041 (com WhatsApp).