Uma mostra sobre a pandemia de covid-19 foi encerrada em Bagé, na última quarta-feira (23), após a Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) do município considerar que algumas das obras expostas continham "nítido conteúdo político", o que seria, de acordo com o órgão, "incompatível com o uso de um espaço público voltado à cultura, onde, também, deve-se primar pelo respeito às instituições e às normas legais".
As obras em questão fazem parte da exposição Sobre-Vivências, que integra o Prêmio Cultural Pindorama, iniciativa das universidades federais de Santa Maria (UFSM) e Pelotas (UFPel), além da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) de Bagé. Os materiais abordam implicações e reflexões no período da pandemia de coronavírus e as mudanças sociais impostas por essas experiências.
A mostra foi instalada na Casa de Cultura Pedro Wayne, em 18 de março, e deveria ficar em exposição até o dia 31, mas foi encerrada cinco dias depois de sua inauguração. Em nota, a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Unipampa afirma que "repudia a censura imposta" à exposição e reforça sua "ação em defesa da liberdade de expressão e de pensamento". No documento, ainda, é dito que "independência e liberdade são valores inegociáveis".
A UFPel também manifestou "total contrariedade e repúdio ao ato de censura praticado pela prefeitura de Bagé ao fechar a exposição do Prêmio Cultural Pindorama". Ainda na nota, a universidade enfatiza que "a liberdade de expressão é necessária a uma sociedade democrática, que precisa refletir sobre as consequências da pandemia que assola o mundo".
Os vereadores bageenses Flavius Dajulia e Caren Castencio, ambos do PT, informaram nas redes sociais que apresentaram uma denúncia contra o episódio, o qual eles alegam ser de censura, ao Ministério Público, na quinta-feira (24). No vídeo, Dajulia afirma que o que ocorreu são considerados "fatos graves".
O que diz a Secult
O secretário de Cultura e Turismo, João Schardosim, afirmou que não existe censura por parte da prefeitura e destacou que esta é uma "polêmica extremamente desnecessária", mas que acabou se tornando importante para esclarecer questões relacionadas aos prédios públicos que pertencem à Secult.
— Não vamos permitir nenhum tipo de posicionamento político-partidário dentro dos prédios públicos da Secult em Bagé. Seja contra Lula ou contra Bolsonaro — ressaltou o secretário.
Schardosim explicou que a Unipampa procurou a Secult para realizar a exposição fora do processo de editais e, segundo o secretário, pela importância da universidade para a cidade, as portas da Casa de Cultura Pedro Wayne foram abertas para receber a mostra. Porém, as obras que seriam expostas não foram enviadas com antecedência para que a secretaria as avaliasse.
— Eu não estava na cidade quando foi feita essa abertura na sexta-feira. Fui na segunda-feira pela manhã prestigiar a exposição, aí deparei com duas fotografias, uma com várias bandeiras de partido político, que é o PT, e a outra com várias pessoas com adesivos dizendo "Fora Bolsonaro" — contou o secretário, enfatizando que esses não eram o foco principal das fotografias, mas que passavam a mensagem em segundo plano.
O secretário disse que todos da Secult foram "surpreendidos", porque não esperavam uma manifestação político-partidária por parte da Unipampa. E, por isso, foi solicitada a retirada das duas fotografias e mais um poema, que se referia a um "genocida".
— Nosso entendimento, não são obras de arte — apontou Schardosim.
Do ponto de vista da secretaria, caso as três obras fossem removidas, não haveria qualquer tipo de problema para a exposição seguir no centro cultural, mas o secretário detalhou que a Unipampa preferiu retirar toda a mostra e criar uma "celeuma, de repente, até para promover a exposição". A decisão, de acordo com Schardosim, também buscou preservar a história do jornalista, poeta e romancista bageense Pedro Wayne, que dá nome ao prédio, e da sua família.
— Uma situação que poderia ser resolvida com diálogo e com um pequeno ajuste se transformou em uma plataforma política — afirmou o secretário de Cultura e Turismo.
Em nota, a Secult apontou que "ao contrário do que foi acordado para a liberação do espaço cultural, as obras expostas detinham nítido conteúdo político, inclusive insígnias partidárias, o que é amplamente vedado pela legislação de regência, em desacordo com a utilização de prédios públicos".
Além disso, o órgão, no documento, enfatizou que "as obras expostas continham, ainda, imputações que podem configurar o crime de calúnia, utilizando expressões incompatíveis com o uso de um espaço público voltado à cultura, onde, também, deve-se primar pelo respeito às instituições e às normas legais".