O Palácio Piratini, por si só, é uma instalação artística gigantesca. Cada canto do prédio histórico — e tombado por isso — guarda algum detalhe, uma lembrança de sua importância para a construção do Rio Grande do Sul de hoje. Os seus cem anos de existência estão entranhados em suas paredes e em seu mobiliário. Basta alguns passos no local para constatar isso. Mas, agora, quem for visitar a sede do Executivo gaúcho verá o contraste entre o clássico e o contemporâneo — com fotos, pinturas, esculturas e até uma rede carregada de pedras.
A exposição Palácio Contemporâneo, que celebra o centenário do espaço, reúne 37 obras, de 30 artistas — boa parte deles oriundos do Estado. Deste total, 35 peças vieram diretamente do acervo do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), instituição da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), que também está completando um aniversário especial: três décadas. As outras duas peças foram criadas especificamente para a mostra comemorativa.
E essa dupla exclusiva consegue passar bem a mensagem da mostra. Enquanto a veterana Maria Tomaselli pintou o mural Dama com Brincos, Paulo Corrêa foi o responsável pelo quadro Resistência, o qual ele fez após um aprofundado estudo no Palácio, criando uma obra que conversa com o tamanho e a paleta de cores do local. Os dois quadros ficam frente a frente, mas um em cada ponta da bifurcação da escada do saguão principal, na Ala Governamental, mostrando o talento de duas gerações distantes, mas unidas pela arte.
— A gente tentou fazer com que a lista de artistas contemplasse diferentes gêneros, identidades, temáticas e procedências, porque a arte contemporânea gaúcha é porto-alegrense, mas também é serrana, de Pelotas, do centro do Estado, da Campanha. Então, a gente tentou refletir nestes 30 nomes, seja pelo critério geração, temática, origem e etnia, a pluralidade que caracteriza a produção contemporânea artística no Rio Grande do Sul — explica Fabio Pimentel Baraldo, advogado, colecionador de arte, conselheiro da Associação de Amigos do Museu de Arte Contemporânea (AAMACRS) e curador da mostra, ao lado de André Venzon, ex-diretor do MACRS.
Baraldo exemplifica a sua declaração ao elencar alguns dos nomes que fazem parte da exposição, como Élle de Bernardini, uma artista trans, Maria Lídia Magliani, uma mulher negra, Xadalu, defensor da causa indígena, e o próprio Paulo Corrêa, um homem negro. As escolhas das obras aconteceram depois de meses de estudo do acervo de 1.900 trabalhos artísticos que fazem parte do MACRS.
— Houve um grande exercício de mapear o conjunto todo, entender a abrangência. Foi uma escolha muito difícil. Primeiro, de estudo do universo do acervo. Depois, para a escolha de nomes que se encaixassem nos critérios citados. Deveria nortear a escolha das obras uma lista de nomes que refletisse o pluralismo que é a marca de uma sociedade verdadeiramente educada — define o curador.
A exposição é dividida em três eixos: Lutas, que evoca a coragem em questionar, reivindicar e conciliar, remetendo à saga do povo gaúcho; Territórios, que alude à ocupação do espaço de maneira criativa, a qual possibilita a interação das pessoas com o seu meio e a concretização na intervenção artística; e Sonhos, que dialoga com a imaginação do espectador, levando-o ao universo do lúdico, do lírico, do onírico — o que pode, inclusive, operar como inspiração para lutas e ocupações territoriais no campo da arte contemporânea.
Embora cada eixo tenha a sua poética visual, todos eles dialogam, de forma sútil ou eloquente, com o tema do poder, uma vez que exposição é ambientada em um edifício que é uma sede de governo.
— É bacana essa mistura entre contemporâneo e o Palácio, porque tem toda essa história do lugar e, de repente, tu te defrontas com uma obra que é super contemporânea, e que está até mesmo questionando essa questão do poder e da função daquele espaço — explica a diretora do MACRS, Adriana Boff.
As obras estão espalhadas pelas Alas Governamental e Residencial do Palácio Piratini. O primeiro espaço, que conta com os dois murais exclusivos, está aberto à visitação diariamente. O segundo, pode ser acessado em um final de semana por mês — este 26 e 27 de março será o primeiro. Para ambos, é necessário agendar visita prévia, no site. Todas as visitas são guiadas e seguem os protocolos de segurança contra a covid-19: é obrigatório o uso de máscara e apresentação da carteirinha de vacinação. A exposição segue até 17 de maio.
A cultura
A secretária de Estado da Cultura, Beatriz Araujo, celebra o investimento de R$ 94,5 milhões feito pelo governo no setor, através do programa Avançar na Cultura. Este movimento permite que a arte chegue a mais pessoas, agregando cultura para a população e garantindo trabalho para os profissionais.
— A Sedac tem uma retaguarda forte que hoje nos permite desenvolver programas e ações como esta exposição — explica Beatriz. — O governador Eduardo Leite nos convocou para trazer a arte contemporânea ao Palácio Piratini no ano do seu centenário, e isso está sendo feito de forma articulada por nossas instituições.
A secretária destaca, ainda, a importância do envolvimento da sociedade na implementação de políticas públicas voltadas à cultura:
— Em projetos como o da nova sede do MACRS e o Clube do Colecionador, por exemplo, é muito importante contarmos com as leis de incentivo e o apoio dos patrocinadores, assim como com o envolvimento dos artistas, produtores culturais e público apreciador, para que todos se sintam pertencentes.
Há três anos, o governo gaúcho doou ao MACRS o espaço para sua nova sede — o MACRS 4D — uma área de 3 mil metros quadrados localizada na rua Comendador Azevedo, 256, no Quarto Distrito, além de destinar o valor de R$ 3 milhões para a reforma do prédio. A AAMACRS, na condição de entidade de apoio ao museu, que capta recursos em iniciativas de engajamento de novos associados e também via leis de incentivo à cultura, busca arrecadar mais recursos para a construção e a qualificação da instituição.
Um dos meios é o Clube do Colecionador, que busca estimular o colecionismo e valorizar a arte contemporânea através de vendas de réplicas de trabalhos inéditos de três artistas selecionados, Lia Menna Barreto, Michel Zózimo e Bruno Novelli. A curadoria é de Gabriela Motta. Segundo Adriana Boff, entre os vários projetos do museu previstos para este ano, como a exposição no Piratini, o mais importante é, de fato, ter a nova sede em funcionamento. E ela acredita que, com todos os esforços, o espaço deve ser entregue até dezembro. Mais um espaço de cultura para o Estado.