Há cerca de dois anos, a UFRGS exibiu em seu campus central 30 fotografias de Luiz Carlos Felizardo. A exposição O Percurso de um Olhar trazia imagens feitas durante mais de 40 anos. Por trás delas, não faltavam histórias que agora serão compartilhadas com um público amplo. Nesta quinta-feira, Felizardo lançará o catálogo da mostra com as 30 fotos acompanhadas de crônicas escritas por ele.
Um dos mestres da fotografia em preto e branco no Brasil, Felizardo é também reconhecido como autor de textos reflexivos sobre a arte de fotografar. No novo livro, resgata não apenas o contexto em que as imagens foram criadas, como também revela detalhes técnicos e reflete sobre o significado das escolhas feitas em cada imagem – como no texto publicado ao lado, sobre a fotografia Jogo do Olhar.
As imagens foram eleitas pelo próprio autor como as mais importantes dentre mais de 18 mil negativos.
Nova exposição
A UFRGS aproveita o lançamento do catálogo, na quinta-feira, para fazer outra homenagem ao fotógrafo que completou 70 anos em 2014. É a exposição Luiz Carlos Felizardo: O Desenho da Imagem, no Centro Cultural da UFRGS.
A curadoria coube ao professor do Instituto de Artes Alexandre Santos, que ressalta que se trata de um projeto independente, ainda que, por coincidência, deverá incluir fotografias presentes na exposição de 2017 e no catálogo.
Santos selecionou aproximadamente 50 imagens do acervo de 84 obras do autor pertencentes ao Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS). A intenção foi compor uma visão ampla da sua produção, incluindo desde paisagens até imagens de outdoors, cartazes e bancas de revista. O título da mostra vem de uma reflexão de Felizardo:
– O Felizardo trabalha a imagem como se fosse o enquadramento de um desenho, com linhas, elementos de cor, luz e contrastes – sublinha o curador. – Primeiro trabalha com as bordas das fotos e, depois, pensa no assunto principal – completa.
Lançamento do catálogo “O Percurso de um Olhar” e abertura da exposição “Luiz Carlos Felizardo: O Desenho da Imagem”
- Quinta-feira (28/11), às 20h
- Centro Cultural da UFRGS (Av. Eng. Luiz Englert, 333)
- Visitação à exposição: de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h, a partir desta sexta-feira até 30 de janeiro
- Entrada franca
Abaixo, leia o texto de Luiz Carlos Felizardo sobre a fotografia "Jogo do Olhar":
"JOGO DO OLHAR"
Estávamos juntos, a Bel e eu, fazia pouco, não mais de três anos. Numa espécie de lua-de-mel tardia, fomos à Europa, em 1991. Viajamos a Chartres, num trem que saía de Paris, num dia muito frio. Três locais ficaram marcados nesta viagem: a Catedral em si, com a profusão de seus adornos e vitrais inesquecíveis; La Vieille Maison, lugarzinho muito simpático, de ótima comida e boa cidra, numa ruela ao lado da igreja, de onde fiz uma fotografia importante na minha produção, uma "kombizinha" absolutamente centralizada entre os dois lados da ruela, espremida contra a lateral muito alta, encimada por uma rosácea, da catedral; e a viagem de trem até lá, o vagão quase vazio, que me proporcionou uma fotografia que deu nome a uma exposição minha no MASP e faz parte das coleções de Frederick Sommer e do Center for Creative Photography da Universidade do Arizona em Tucson.
Jogo do Olhar, publicada aqui, mostra, apenas, um casal que conversa, sentado confortavelmente em dois bancos de trem, um de frente para o outro. Como fundo, a janela do trem através da qual se vê algo indistinto que diz, apenas, que ele está em movimento e que a velocidade de obturação foi baixa. O fundo, em suma, está todo tremido; por aqueles mistérios da luz, um lado do rosto da moça se reflete na janela, assim como parte da mão e da jaqueta do rapaz. Perceber que a jaqueta no vidro é um mero reflexo, espelhado, de algo palpável é o que nos garante que a bela moça da janela é também reflexo de alguém palpável para sorte nossa ... – e não a imagem esvoaçante e fantasmagórica do alter ego da que conversa placidamente com o noivo – muito parecido, aliás, com o Cássio Vasconcelos da época, hoje um grande fotógrafo brasileiro.
Estávamos sentados, também, em dois bancos fronteiros, do lado oposto, na fila "da frente", por assim dizer, eu de costas para eles. Quando fotografei, fiz três negativos, variando a exposição. Só um deles prestou, e olhe lá; o positivo deu um trabalhão, especialmente para destacar, com naturalidade, o lenço e o pingente contra a massa escura criada pela blusa e os cabelos negros da moça.
A versão digital – esta que está aqui – é muito mais fácil, ainda que trabalhosa. Pode-se selecionar uma área de interesse e trabalhar nela por dias até conseguir o efeito desejado; a versão anterior, com ampliador e papéis à base de prata, deixava uns poucos segundos para a mesma operação.
Mais uma coisa, antes que eu me esqueça: a foto foi "roubada", ou seja, eles não perceberam que estavam sendo fotografados. Não se deram conta da presença e atividade de um fotógrafo nas proximidades. Ou souberam fingir muito bem...
Esse tipo de fotografia é chamado, em inglês, de "candid". A candura da cena parece provir justamente do desconhecimento deles a meu respeito.