É curioso, e relevante, constatar a coincidência de opinião entre o fotógrafo cego Evgen Bavcar, um esloveno, doutor em História e Filosofia, que nasceu em 1946, e Luiz Carlos Felizardo, o fotógrafo gaúcho, nascido em 1949, que com seu trabalho criterioso e brilhante é, sem dúvida, referência inescapável na fotografia brasileira.
Para aqueles que duvidam que um deficiente visual possa fotografar, Bavcar apresenta, além das imagens produzidas, um conceito claro e instigante. Segundo ele, imagem (eidos=ideia) tem mais a ver com imaginação do que com aquilo que os olhos podem ver. Felizardo, que está abrindo a exposição Percurso de um Olhar, é reconhecido como um artista de especial talento que, "com sua ação criativa, nos convida a ver, e estimula a nossa percepção", como constata o crítico e professor Rubens Fernandes Junior.
Ao contrário do esloveno, o gaúcho vê, e mais do que tudo, enxerga. Ele próprio confessa que provavelmente tenha sido a larga convivência com um tio que morava no campo, e com quem compartilhou o silêncio de contemplar o pampa, o que lhe teria despertado o "amor pela paisagem".
Não basta olhar, mas, que fique claro: o registro preciso é prova concreta "apenas" de uma reflexão. Felizardo cultiva algo mais do que "a mera reprodução da cena ou objeto. Imagens são coisas que aparentam... as imagens pertencem ao mundo da ficção", diz ele. "A precisão da reprodução não é indício de nada, nem mesmo da realidade" conclui.
Um traço marcante de sua obra é, certamente, a transitoriedade. Num de seus textos, ele nos ensina que o tempo encerra o cronos, que é a marcha inexorável dos segundos, minutos, horas, dias, anos... e, digo eu, seus efeitos. Mas também, abriga o kairós, o instante, o momento oportuno. Ao fotógrafo compete lidar com isso, ao longo de toda trajetória, como artífice, ele constrói. O tempo, que passa rápido, exige certa pressa, mas não se pode abrir mão da serenidade. A urgência necessita de tranquilidade para se chegar a bom termo. Só com alma e calma se percebe o significado das coisas.
O valor de uma tábua, uma parede ou uma pedra, alternadamente lavadas pela chuva e batidas pelo sol, que vai transformando-as em históricas testemunhas. O tempo, que provoca a ruína de tudo a nossa volta, precisa ser detido. Mas só a fotografia, talvez, tenha competência para fazer isso. O tempo, esse adorável inimigo, que nos ajuda a compreender um pouco mais a vida. Um criminoso obstinado, insistente, que degrada, provocando devastação e transformando, nós inclusive, em escombros. Para nossa sorte, Felizardo entendeu que toda fotografia é cenário de um crime. Anexar, cada uma delas, a nossa memória, e ao processo, nos permite conhecer detalhes importantes, mas isso, infelizmente, não nos garante que chegaremos ao culpado.