Luiz Carlos Felizardo não hesita em dizer que não sabe desenhar.
– Uma vez, fiz um desenho para o Joaquim da Fonseca, diretor de arte da primeira agência onde trabalhei. Ele matou a charada, disse: “Agora eu entendo por que tu quis ser fotógrafo”.
Mas entre as maiores influências de Felizardo, geralmente garimpadas da história da arte, está o francês Gustave Doré (1832 - 1883), prolífico autor de ilustrações que impressionam pela precisão.
– Ele sempre me encantou pela qualidade do desenho, que eu não tinha, e a capacidade de trabalhar os meios-tons e as sombras, por isso a minha fotografia se caracteriza pelo jogo de sombras e claros, e detalhes dentro das sombras.
A reverência de Felizardo ao falar de Doré é a mesma de muitos fotógrafos ao elogiar o gaúcho que é considerado um mestre da fotografia em preto e branco no Brasil, integrando importantes acervos, como a Coleção Pirelli/MASP de Fotografia. Ele que, antes de disparar a foto, admite “enxergar os assuntos em termos de valores tonais”, é reconhecido pelo domínio técnico, a composição e a ampla gama de cinzas. Como se fossem feitas com um lápis fininho, suas fotos descobrem a textura rica de uma pedra ou a melancolia de um muro com tinta descascada. Ao enquadrar, desenha com a lente:
– Tu organiza essa imagem, esse desenho dentro de uma fotografia, usando os cantos. O centro não interessa muito, interessam os cantos – ensina.
Curadoria é feita pelo próprio felizardo
As mais representativas fotografias de Felizardo estarão à mostra no pátio do campus central da UFRGS a partir desta quarta-feira (27). Impressas em painéis de 1,5m x 1,5m, em PVC, as imagens estarão ao ar livre. Para a exposição, intitulada O Percurso de um Olhar, Felizardo selecionou 30 fotos que marcaram a sua carreira de mais de 40 anos.
A seleta amostra do acervo de imagens digitais e mais de 18 mil negativos 35 mm, 6x6 centímetros, 4x5 e 8x10 polegadas inclui desde o flagrante de um casal de amigos feito em 1970, quando ainda era aluno de Arquitetura da UFRGS, até a cena de um amigo descendo uma escada em Portugal, em 2016. O assunto que lhe é mais caro, a paisagem, aparece tanto em imagens do pampa gaúcho quanto em registros de viagens mundo afora – entre eles, a vista de um cemitério em Santa Bárbara, em 1974, publicada na célebre revista Life, e um recorte de Zabriskie Point, no Deserto da Califórnia, feito em 1985, quando estudou com Frederick Sommer, nos Estados Unidos.
Felizardo examinará essas fotos e a sua trajetória em um bate-papo com a jornalista e professora do Instituto de Artes da UFRGS Paula Ramos hoje à noite. Falará com a propriedade de quem vive de fotografia autoral desde 1996 e é conhecido também por refletir sobre a técnica: é autor dos livros O Relógio de Ver (2000), Imago (2010) e A Fotografia de Luiz Carlos Felizardo (2011).
Atualmente com 68 anos, o fotógrafo convive com uma doença neurológica rara chamada síndrome de Machado-Joseph. Para se locomover, depende de uma cadeira de rodas, mas ainda encontra maneiras de continuar fotografando. Tem na mulher, a produtora cultural Maria Isabel Locatelli, 55 anos, uma companheira para viagens. Enquanto ela dirige, ele fotografa com a câmera digital que em 2011 substituiu sua fiel Leica.
– Ainda tenho saudade do filme, mas o digital é uma necessidade. Como não tenho controle para segurar coisas pesadas, uso a semiprofissional. O zoom me libera de caminhar.
Também tem trabalhado dentro de casa, fotografando objetos antigos de família para uma exposição no Instituto Ling prevista para o final de 2018. Volta e meia, revira seu arquivo para publicar fotos no Facebook, mas com olhar crítico:
– O problema hoje é a quantidade de imagens que se produz. É um horror. Como não custa nada, o cara fotografa seis vezes. Eu não tenho fotos com mais de dois ou três negativos, olha lá.
O Percurso de um Olhar
- Luiz Carlos Felizardo
- Abertura quarta-feira (27 de setembro), às 17h30min
- Pátio do Campus Centro da UFRGS (Av. Osvaldo Aranha, 277)
- Visitação de quarta-feira a 22 de dezembro, de segunda a sexta-feira, das 7h às 22h30min. Entrada franca.
- Encontro com Luiz Carlos Felizardo Bate-papo com mediação de Paula Ramos e exibição do filme Um Retrato em Meio Tom, de Liliana Sulzbach e César Graeff Santos.
- Quarta-feira (27), às 18h15min, no mezanino do Museu da UFRGS.