
O público lotou o Salão Nobre da Catedral Metropolitana, em Porto Alegre, na tarde deste sábado (31), para ouvir as reflexões de Lázaro Ramos sobre como comunicar com propósito. O ator e diretor foi entrevistado pelo comunicador Marcelo Tas no segundo e último dia do Festival Fronteiras, em uma conversa que abordou temáticas como narrativas, escuta, arte, saúde mental e tecnologia.
Ramos recordou que a tendência de contar histórias remonta às suas origens e sua família. O artista compartilhou detalhes sobre seu processo de escrita — que é conduzida, no caso dos livros infantojuvenis, pensando sobre os adultos que deseja que os filhos se tornem. A escolha da abordagem e da linguagem também foi evidenciada pelo ator, que adapta a obra para o público quando ela começa a tomar forma.
O escritor assumiu que escrever para adolescentes é um desafio — para enfrentá-lo, inclusive, realiza pesquisas de avaliação em escolas, além de explorar novos formatos para os conteúdos, como cartas e tweets.
Como fonte de alimento para o trabalho e para a vida, o ator busca não se enjaular e circular por diferentes grupos e pela cidade, de modo a não limitar sua perspectiva. Ramos desenvolveu, com os anos, o que chama de poética do acolhimento estratégico, uma maneira característica de comunicar em peças e livros.
— Descobri que, sempre que vou iniciar uma obra, só falo de assuntos que conectam. Falo de origem, de família, de afetividade, experiências que todos passam. Sempre falando de um lugar de aproximação. No meio, tem algo que seja uma cisão, e que eu dou uma opção para o meu ouvinte, espectador, leitor: olha, a partir de agora, a gente vai mudar um pouco o rumo da prosa. Quer ficar ou quer ir embora? E no final eu passo a mensagem. Essa linguagem pode ser entendida em humor, em emoção etc — explicou.
Embora o processo de desenvolvimento dessa poética tenha sido natural, a prática é, ao mesmo tempo, uma prisão, conforme Ramos. A linguagem, porém, é customizada para abarcar a dificuldade de comunicar os temas que trata, que são feridas no país — como racismo, autoestima, formação da identidade — e tendem a ser silenciados.
Tas questionou Ramos sobre suas "técnicas de ouvir", ao que o ator respondeu que oferece aos outros uma escuta ativa, interessada e seu olhar. Seu objetivo é fugir da tendência atual de aceleração, de não ouvir o outro e de não deixar a existência ser impactada.
— Eu tenho muita noção do meu tamanho, não me acho maior nem menor do que ninguém, e isso é muito importante. Tanto para não me levar para um lugar vaidade, de achar que sou um sabedor de tudo e vomitar verdades, quanto para não me levar a um lugar de baixa estima. Saber que eu posso me comunicar, inclusive, a partir da discordância, de falar a minha opinião — ressaltou.
Desafios da comunicação e da tecnologia
O aclamado ator também abordou o episódio de burnout que sofreu no ano passado. Ramos atribuiu o desfecho a uma grande carga de trabalho — vinculada, em sua percepção, à lembrança e ao medo da escassez —, conexão excessiva com redes sociais, entre outros fatores, que resultaram em falta de paciência para ouvir e esperar o tempo das pessoas.
Foram cinco meses com pensamento acelerado e alerta, em camadas que se sobrepunham. Sem tempo para ócio, sua comunicação e diversos outros aspectos da vida pioraram. O ator também falou sobre a dificuldade de nomear o que sentia — o que já havia sido, inclusive, tema de livro publicado pelo escritor.
— Eu estava adoecendo com a comunicação que estava estabelecendo comigo e com o mundo — recordou.
Na entrevista, Lázaro Ramos também frisou a importância da arte em sua vida, por se relacionar com a saúde.
O ator compartilhou, ainda, as angústias em relação à inteligência artificial, embora avalie como algo inevitável e que apresenta facilitação financeira para produções. Em um país com tantos desafios, defendeu a regulação antes da adoção completa da tecnologia, questionando se a adaptação e reinvenção de profissionais que serão impactados, como dubladores e figurantes, conseguirá acompanhar o processo.
— Como fazer essa dosagem? Essa é a questão — questionou Tas.
Para Ramos, ainda que o tema deva ser debatido pela classe artística, trata-se de algo que deve ser abordado por outros agentes da sociedade, por meio de políticas públicas, decisões judiciais e mobilização social.
O Festival Fronteiras tem apresentação do governo do Estado do RS; patrocínio master de Icatu Seguros, Banrisul e Corsan; patrocínio de Unisinos, Unimed, Banco Topázio, Sicredi, Sulgás, CMPC, Grupo Zaffari, Caixa Econômica Federal e Governo Federal. Apoio institucional do Tribunal de Justiça do Estado. Parceria com Associação do Ministério Público, Assembleia Legislativa do RS e prefeitura de Porto Alegre. A realização é da Delos Bureau, uma empresa do Grupo DC Set, e a promoção é do Grupo RBS.


