Até hoje surpreende que um dos movimentos artísticos mais importantes da arte gaúcha tenha nascido na Bagé dos anos 1940, onde se vivia da pecuária. O escritor Pedro Wayne narra, numa reportagem de 1946 agora reproduzida em uma parede da Fundação Iberê Camargo, como os adolescentes Glauco Rodrigues (1929-2004) e Glênio Bianchetti (1928-2014) encontraram a vocação para a arte sob a orientação do pintor carioca José Morais. O próprio Wayne, escritor politicamente engajado, era o mentor intelectual dos meninos. A eles, juntou-se Danúbio Gonçalves (1925-2019), em 1948, instalando um ateliê coletivo na cidade. O quarteto ficou completo com Carlos Scliar (1920-2001), artista mais experiente que retornava após lutar na Segunda Guerra Mundial.
Esse começo, quando alguns artistas ainda aprendiam a pintar, abre Grupo de Bagé – Os Quatro, exposição que será inaugurada neste sábado (30) pela Fundação Iberê Camargo. Com 180 obras, a mostra percorre a história do quarteto que eternizou na gravura atividades e paisagens do interior gaúcho. É uma oportunidade rara de ver juntas obras de 24 acervos públicos e particulares de Bagé, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Para a missão, o diretor-superintendente da Fundação, Emilio Kalil convocou as mestrandas e curadoras Carolina Grippa e Caroline Hädrich, que iniciaram em março a pesquisa que culmina na mostra reunindo também ilustrações, cartas e publicações.
— É um resgate de memória. O melhor jeito de pensar o depois é resgatando o antes. É mais que uma homenagem aos quatro artistas, é uma homenagem ao Estado — afirma Kalil.
Na segunda sala, o público já verá a produção dos clubes de gravuras de Bagé e Porto Alegre, que fez a fama do grupo na década de 1950. Entre os itens, as duas séries completas de xilogravuras de Danúbio: Mineiros do Butiá e Xarqueada, que denunciavam as condições dos trabalhadores da região. A escolha pela gravura possibilitava a reprodução em grande escala em panfletos, cartazes e revistas, respondendo ao engajamento político do grupo envolvido com a Revista Horizonte, que financiava o Partido Comunista.
— Várias gravuras têm um carimbo que mostra que eles as levavam para feiras de arte. A intenção era democratizar a arte — observa Caroline Hädrich.
— Ao contrário da pintura, que é algo único que vai estar na casa de uma pessoa — complementa Carolina Grippa.
No terceiro andar, a exposição entra em um capítulo posterior ao grupo, que se dispersou após o encerramento dos clubes de gravura, em 1956. Exibe obras produzidas em um reencontro em 1976, em Bagé, e produções individuais, incluindo pinturas, desenhos, ilustrações para a Revista Senhor e nove aquarelas de Rodrigues feitas para abertura da minissérie da Globo O Tempo e o Vento, de 1985.
Grupo de Bagé – Os Quatro
- Curadoria: Carolina Grippa e Caroline Hädrich.
- Abertura sábado (30/11), às 14h.
- 3º e 4º andares da Fundação Iberê Camargo (Avenida Padre Cacique, 2.000).
- Visitação: de quarta a domingo, das 14h às 19h (último acesso às 18h30min). Até 1º de março de 2020.
- Entrada franca.
- A exposição: 180 obras de Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti, além de ilustrações, livros e exemplares raros das revistas Horizonte, Senhor e Globo.
Programação paralela
- Sábado, às 16h – Visita-guiada com o jornalista Roger Lerina, o ator Sapiran Brito e o escritor Deny Bonorino, além de música ao vivo com a violinista Clarissa Ferreira.
- Domingo, às 16h – Cine Iberê: sessão comentada de Anahy de las Missiones (Sérgio Silva, 110min, 1997, Brasil/Argentina), com Araci Esteves, Miriam Rossini e Gustavo Fernández, no Auditório da Fundação.