Morreu, na manhã deste domingo (21), em Porto Alegre, Danúbio Gonçalves, um dos mais importantes nomes das artes visuais do Rio Grande do Sul. Segundo informou a GaúchaZH Sandra Gonçalves, uma de suas filhas, o artista morreu "dormindo, de forna serena", na clínica geriátrica em que vivia. O corpo de Danúbio foi sepultado à tarde, no Cemitério João XXIII, na Capital.
Danúbio era remanescente da geração que ficou conhecida como Grupo de Bagé, responsável por introduzir a linguagem moderna das artes no Estado. Ao lado dos também bajeenses Glauco Rodrigues (1929 – 2004) e Glênio Bianchetti (1928 – 2014), formou a trindade que ficaria conhecida como "Os novos de Bagé".
Nos anos 1950, eles se juntariam a Carlos Scliar (1920 – 2001) e Vasco Prado (1914 – 1998) e para fazer história com os emblemáticos Clubes de Gravura de Porto Alegre e Bagé. O grupo ficou nacionalmente conhecido na mesma época em que Xico Stockinger (1919 – 2009) se estabelecia no Estado e Iberê Camargo (1914 – 1994), já no Rio de Janeiro, se firmava como o nome gaúcho de maior projeção no Brasil.
— Acredito na arte figurativa porque ela mantém uma comunicação, enquanto a arte abstrata afasta o público. O artista tem um papel social, que é se comunicar com o público — disse Danúbio, em entrevista a Zero Hora em 2012.
Como gravador, Danúbio foi reconhecido ainda jovem. Com suas xilogravuras (gravuras em madeira) sobre as charqueadas, registrou a matança do gado e a lida artesanal na produção do charque. Além do registro realista dos trabalhadores em rudes condições distante da imagem mítica do gaúcho heroico, a série chamou atenção pelo apuro técnico e pela expressividade estética. Danúbio ainda se dedicaria a registrar o trabalho de mineração no Estado.
– Fiz um registro de algo que não tem documentação fotográfica – destacou na mesma entrevista a ZH, em 2012.
A notável qualidade e força expressiva da série Charqueadas foi destacada por Diego Riveira, o célebre muralista mexicano, que disse em 1953: "É um ensaio, uma espécie de novela curta tecida em termos plásticos de uma intensidade extraordinária. Oxalá este exemplo seja imitado, pois os pintores falariam ao povo mais intensamente do que qualquer livro e transmitiriam uma grande emoção artística com o seu valor plástico".
Sobre os encaminhamentos da arte após as conquistas de sua geração, Danúbio costumava ser cético, especialmente em relação às linguagens contemporâneas:
— Da geração nova, o problema é que são poucos os que sabem desenhar. Se baseiam em reproduções, o que faz com que tudo possa ficar muito igual. O que vale é o conceitual, o conceito da arte... Então, tá essa coisa (risos). Inventaram a bienal do vazio. Não tem nada lá e se fica emocionado? Isso aí é uma frescura. A arte contemporânea desvia o público da verdade das coisas. É um vale-tudo.
Danúbio era conhecido por posições firmes. Deixou como legado a mesma visão humanista da arte que o acompanhou desde o começo:
— A arte faz parte da existência da humanidade, é uma coisa humana, e sempre continuará sendo — disse na Galeria Duque, onde foi apresentada sua última exposição, no fim de 2013.
Quem foi
- Danúbio Villamil Gonçalves nasceu em Bagé, em 30 de janeiro de 1925. Era trineto do general Bento Gonçalves.
- Aos 10 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teve aulas com Cândito Portinari.
- Depois de passar temporada na Europa, voltou ao Rio Grande do Sul para participar de um dos momentos mais emblemáticos da arte gaúcha com os Clubes de Gravura de Porto Alegre e Bagé nos anos 1950.
- Destacado como gravador, chegou a ganhar referência do célebre muralista mexicano Diego Rivera.
- Foi aluno, colega ou amigo de alguns dos mais importantes mestres modernos do Brasil, como Cândido Portinari, Lasar Segall, Axl Leskoschek, Iberê Camargo, Marcelo Grassmann, Carlos Scliar.
- Destacado como gravador, pintor e desenhista, Danúbio também testou materiais e técnicas, chegando à colagem e aos mosaicos. Se nem sempre alcançou resultados regulares, manteve autenticidade.
- Em obras de arte pública, é autor do Memorial da Epopeia Rio-grandense Missioneira e Farroupilha, nas imediações do Mercado Público.
- Como professor, ajudou a formar gerações de artistas que passaram pelo Instituto de Artes da UFRGS e pelo Atelier Livre de Porto Alegre, do qual acompanhou desde a fundação e foi diretor por 15 anos, aposentado compulsoriamente ao completar 70 anos. Por suas aulas, passaram nomes como Anico Herskovits, Maria Tomaselli, Miriam Tolpolar e Eloisa Tregnago.
Danúbio Gonçalves em frases
"Procuro sentir a verdade das coisas. Meu trabalho acompanha a vida."
"Acredito no estudo e na disciplina. É isso que me incomoda nos artistas de hoje. Falta o desenho. Infelizmente, o desenho está se perdendo. Picasso fazia o que queria com a forma porque conhecia a forma, porque desenhava. Até para o fotógrafo, desenhar é bom. Que dirá para o artista..."
"Quando morava no Rio, via na Avenida Atlântica uma casa cheia de quadros. Soube que era do Portinari, tomei coragem e levei meus trabalhos até ele, que me recebeu bem. Foi um artista fantástico, o maior do Brasil. Depois, viajei pela Europa e fui aprendendo vendo as obras nos museus. Arte é cor e forma, o resto é demagogia. Portinari era de uma limpeza... Não sujava nada, pura disciplina."
"Eu morava no Leme, passava na frente de uma casa cheia de quadros e ficava espiando. Não sabia quem morava lá. Quando descobri que era o Portinari, tomei coragem, peguei uns desenhos meus e fui mostrar. Acho que ele gostou. Ele não dava aulas. Mas deixava a gente desenhar quando tinha modelo vivo. Íamos eu, o Athos Bulcão, o Iberê Camargo. No final, ele vinha olhar o que a gente tinha feito. Dava algum palpite. Mas não era uma aula. Lembro que a paleta dele era muito limpa. Ele era todo organizado. Nunca mostrava um quadro sem moldura."
"Na Europa, eu vivia a arte visitando os museus. Vem daí minha pintura plana, de duas dimensões, sem profundidade..."
"O tema para mim não é janela. Tem artista que olha para a tela como se ela fosse uma janela para o mundo. Eu não. Eu quero sentir a verdade da coisa. Claro que você não precisa passar fome para pintar um pobre. Mas o meu trabalho acompanha a vida. Tenho que viver aquilo."
"Sempre gostei de lecionar. Teve uma época em que me perguntei: "Sou professor ou sou artista?"
"Acho que a arte é algo orgânico. Uma necessidade. Faço isso porque eu preciso. Meu pai queria que eu fosse médico, mas desde pequeno eu sabia que seria artista."
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