No ateliê da casa de Danúbio Gonçalves, no bairro Petrópolis, na Capital, uma reprodução do painel Guernica e uma foto de seu autor, Pablo Picasso, indicam o direcionamento do artista bageense.
Pertencente à geração dos gaúchos que trouxeram ares da modernidade artística para o Estado nos anos 1950, Danúbio, 87 anos, não se vinculou à arte abstrata, defendendo a arte figurativa - em especial a regional e socialmente engajada.
- Eu acredito na figuração porque ela mantém uma comunicação, enquanto a abstração afasta o público. O artista tem um papel social, que é se comunicar com o público. E Picasso mostrou isso durante a Guerra Civil Espanhola - diz Danúbio.
Com xilogravuras (imagem com madeira como matriz) sobre as Charqueadas de Bagé nos anos 1950, Danúbio foi reconhecido pelo apuro técnico e pelo realismo no registro da matança do gado e do trabalho artesanal de produção do charque. É essa fase da trajetória que se evidencia em Danúbio, documentário de Henrique de Freitas Lima que está em cartaz na Capital (confira na Agenda).
O filme tem como ponto alto a viagem ao México que flagra Danúbio em seu encontro com a tradição muralista, uma arte política, e com obras de Diego Rivera (1886 - 1957), seu principal expoente.
Destacado como gravador, pintor e desenhista, Danúbio também testou materiais e técnicas, chegando à colagem e aos mosaicos. Começou sua trajetória ainda adolescente no Rio de Janeiro, recebendo as primeiras lições de rigor no ateliê de Candido Portinari (1903 - 1962).
- Portinari era de uma limpeza... Não sujava nada, pura disciplina - lembra.
Na Europa, conheceu a tradição da perspectiva renascentista, mas se fascinou com os experimentos da arte moderna.
- Vem daí minha pintura plana, de duas dimensões, sem profundidade... Mantenho isso até hoje - conta Danúbio.
No retorno, participou de um momento emblemático da arte gaúcha. Em 1951, com Glauco Rodrigues (1929 - 2004) e Glênio Bianchetti, criou o Clube de Gravura de Bagé. O trio já participava, ao lado de Carlos Scliar (1920 - 2001) e Vasco Prado (1914 - 1998), do Clube de Gravura de Porto Alegre. Eram artistas de orientação esquerdista e produção de matriz moderna. Foi com essa visão que Danúbio criou a série de xilogravuras Xarqueadas, que retrata trabalhadores em condições rudes - distante da temática do gaúcho heroico.
- Registrei algo que não tem documentação fotográfica - conta Danúbio, que também retratou a mineração no Estado.
Hoje, ao rever sua trajetória no documentário, ele questiona as rupturas da arte contemporânea que testemunhou:
- Da geração nova, poucos sabem desenhar. Se baseiam em reproduções e no conceitual. A arte contemporânea desvia da verdade das coisas. É um vale-tudo.
Exposição de arte mural
Além do documentário Danúbio, uma mostra homenageia o artista gaúcho, destacando sua produção de murais e painéis. A exposição Arte Pública - Murais de Danúbio Gonçalves, em cartaz na Sala Aldo Locatelli, no Paço dos Açorianos (Praça Montevidéu, 10), apresenta o processo de elaboração de trabalhos de grandes dimensões, voltados a espaços públicos. Estão expostos 19 estudos de obras desenvolvidas em pintura, cerâmica e mosaico. Uma delas é o painel Memorial da Epopeia Rio-Grandense Missioneira e Farroupilha, localizado nas imediações do Mercado Público de Porto Alegre.
- O Danúbio tem como ponto forte sua gravura, mas ele também tem uma produção em arte monumental, com grandes painéis que, muitas vezes, passam despercebidos - diz a curadora da exposição, Ediolanda Liedke.