Depois de percorrer os dois andares repletos de suas obras na Galeria Espaço Cultural Duque, no centro de Porto Alegre, Danúbio Gonçalves parece pronto para conversar sobre a exposição em sua homenagem. O artista senta, encosta a bengala e diz:
- Tem coisas que nem lembrava mais, tem tanto tempo. São muitas fases, uns trabalhos tocam mais, outros menos.
Pode parecer modéstia ou desapego do artista pelos seus objetos, mas quem conhece Danúbio sabe de seu forte envolvimento com a prática e o ensino. Ainda jovem, despontou com as xilogravuras sobre as charqueadas de Bagé e as minas de Butiá que logo chamaram atenção pela qualidade técnica e pela força expressiva.
Ao longo das últimas sete décadas, seguiu alternando, de forma nem sempre regular, técnicas e materiais, trabalhando com litografia, pintura, desenho, escultura, mosaicos e arte pública. Como professor, ajudou a formar gerações de artistas que passaram pelo Instituto de Artes da UFRGS e pelo Atelier Livre de Porto Alegre, a exemplo de Anico Herskovits e Maria Tomaselli, para ficar em dois nomes conhecidos.
Aos 88 anos, Danúbio não mostra muito interesse pelos fatos recentes, mas, se provocado, logo relembra dos parceiros nos emblemáticos clubes de gravura de Bagé e Porto Alegre nos anos 1950 - Carlos Scliar, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e Vasco Prado - e de colegas de ofício - Iberê Camargo e Xico Stockinger. São todos responsáveis, em boa parte, por introduzir a linguagem moderna no Estado.
Danúbio adotou a bengala não faz muito. Precisou do apoio durante a recuperação de um acidente, quando foi atropelado por uma motocicleta na Avenida Osvaldo Aranha. Machucou a cabeça e precisou levar alguns pontos. Desde então, parou de fazer suas habituais caminhadas pelas ruas de Porto Alegre:
- Sempre caminhei bastante e cuidei da alimentação comendo só o suficiente.
Neste ano, diminuiu o ritmo de produção. Continua indo ao ateliê nos fundos de casa, no bairro Petrópolis, mas não pinta nem desenha e já faz tempo que não usa a prensa de gravura. Tem preferido fazer colagens, um trabalho mais leve, sem pretensões, contudo, de apresentar algo novo:
- Não me preocupo em fazer exposição toda hora, vai surgindo.
A Glória do Pincel, a mostra em cartaz na Galeria Duque, está dividida em três segmentos. No primeiro andar, o curador Wagner Patta selecionou obras de artistas brasileiros e estrangeiros. No nível acima, estão peças que Danúbio mantinha em seu ateliê. E, no terceiro andar, encontram-se alguns de seus trabalhos eróticos.
No passeio pela exposição, Danúbio para diversas vezes, num gesto de apontar ao que se deve prestar atenção. Faz essas pausas diante das obras inspiradas na atividade de extração dos mineiros e na brutalidade da matança do gado para a produção do charque. Com esses registros realistas, destacou as condições rudes dos trabalhadores e criou como identidade o interesse pela arte regional e socialmente engajada:
- A arte faz parte da existência da humanidade, é uma coisa humana, e sempre continuará sendo.
Trineto do general Bento Gonçalves, Danúbio nasceu em Bagé, em 1925, mudou-se para o Rio aos 10 anos e, aos 24, retornou ao Rio Grande. Foi no Rio que ele encontrou seu grande mestre e certa definição de arte que mantém até hoje:
- Quando morava no Rio, via na Avenida Atlântica uma casa cheia de quadros. Soube que era do Portinari, tomei coragem e levei meus trabalhos até ele, que me recebeu bem. Foi um artista fantástico, o maior do Brasil. Depois, viajei pela Europa e aprendi vendo as obras nos museus. Arte é cor e forma, o resto é demagogia.
A Glória do Pincel
> Visitação de segunda a sexta, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 17h. Até 14 de dezembro.
> Galeria Espaço Cultural Duque (Rua Duque de Caxias, 649), em Porto Alegre. Fone (51) 3228-6900.
> A exposição: apresenta uma panorâmica da produção de Danúbio Gonçalves. No primeiro andar, há obras em diálogo com artistas que marcaram sua trajetória artística e influenciaram sua produção, como Candido Portinari. No segundo andar, está um conjunto de trabalhos trazidos do ateliê do artista. Já no terceiro andar, a exposição apresenta obras mais ousadas, como as obras eróticas de Danúbio.