O Santander Cultural inaugura nesta terça-feira a exposição Etnos – Faces da Diversidade. Com cerca de 160 máscaras de dezenas de culturas, a mostra é um convite para refletir sobre o que há de único e universal nesses artefatos, considerados manifestações de visões de mundo. A proposta vem de Marcello Dantas, um dos principais curadores do país, reconhecido por mostras que empregam novos meios tecnológicos e são sucesso de público.
A mensagem de tolerância é parte importante da exposição, que coloca lado a lado máscaras emprestadas por coleções de várias partes do mundo, como a do Museo Rafael Coronel (México); a coleção Yunes (Brasil) e a do artista chinês Ai Weiwei, que será o astro de uma mostra com curadoria de Dantas em São Paulo e estará em Porto Alegre dia 8 de outubro como palestrante do Fronteiras do Pensamento.
Segundo o curador, a máscara está presente na maioria das culturas e é uma expressão do desejo universal de transcender e se conectar com uma dimensão mítica. Convivem na parede do Santander máscaras de tribos africanas e indígenas, dos carnavais veneziano e colombiano, do folclore mexicano, do candomblé e da cultura pop (como a do personagem Darth Vader, de Star Wars). Um vídeo, no centro da mostra, ilustra essa rica contextualização exibindo cenas de cerimônias, danças e protestos. Até as máscaras virtuais marcam presença: em um monitor, os visitantes poderão aplicar diferentes camuflagens na sua própria face, entre elas os famosos "filtros de cachorrinho" do Instagram.
Mostra ilustra potencial ambíguo
Dantas aproxima máscaras por elementos estéticos, como orelhas ou narizes avantajados, e temáticos, como as representações de caveiras concentradas em um canto específico. Em um setor, dois demônios mexicanos estão ao lado de outros do Equador e da Bolívia:
– A máscara expressa nossa fascinação pela capacidade de invocar demônios. É uma libertação do nosso lado B.
Essa libertação pode servir tanto ao bem quanto ao mal: o nariz de palhaço habilita seu usuário a brincar, o capuz branco abre caminho para as atrocidades da Ku Klux Klan. O sorriso sinistro da máscara de Guy Fawkes popularizada no filme V de Vingança e usado em protestos pelo mundo, lembra que a máscara é também símbolo de revolta.
– Ela é um passaporte de empoderamento – diz Dantas.
Há espaço para mostrar como o anonimato é caro tanto aos heróis do cinema (Homem de Ferro, Batman) quanto aos astros da música (os capacetes da dupla eletrônica Daft Punk e o rosto de medusa usado pela cantora).
– A máscara é uma porta que permite às pessoas entenderem símbolos comuns – diz Dantas. – Essa exposição pode ser vista como maneira de entendimento na diversidade. Ao identificar mitos acessados em comum, quer aproximar culturas diferentes, criar uma janela de entendimento entre as pessoas.
"A máscara é uma espécie de passaporte para outro mundo", afirma Marcello Dantas
Capaz de levar multidões aos museus organizando exposições dedicadas tanto a celebridades da arte contemporânea, como Anish Kapoor e Bill Viola, quanto do futebol, como Pelé, Marcello Dantas é um dos principais curadores do país. Incansável, viaja ininterruptamente e acumula projetos que exploram meios tecnológicos em exposições como o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Atualmente está envolvido em quatro novos museus, dois pavilhões e 10 exposições. Na última segunda-feira, Dantas apresentou a exposição Etnos – Faces da Diversidade à imprensa e respondeu algumas perguntas de Zero Hora sobre a mostra e a sua relação com Queermuseu – após o fechamento da polêmica exposição, o Santander Cultural assinou termo de comprometimento para inaugurar duas novas mostras, uma delas sobre diversidade.
Qual é o conceito que guia a exposição?
Esta exposição é sobre a diversidade que existe no nosso tempo. É uma porta para o território do mito, um território mágico que une as pessoas a partir das suas especificidades. A máscara é um instrumento de empoderamento, é uma espécie de passaporte para ir para outro mundo onde a gente se entende sem língua. É, em si, uma linguagem que permite que as pessoas entendam coisas que as palavras talvez não consigam traduzir bem.
E como essa ideia é organizada na mostra?
São 164 máscaras que vêm de praticamente todos os continentes do mundo. Algumas são ritualísticas, de protesto, da cultura pop, do cosplay, de super-heróis, de como o mundo hoje se manifesta pelas máscaras. Temos até as máscaras virtuais. Ou seja, olhamos para a máscara com essa visão ampla. Esse discurso só faz sentido se for amplamente inclusivo e conseguir trazer para dentro dele a enorme diversidade que o mundo tem. A gente aborda desde um pequeno povo com pessoas que reconhecem e celebram uma máscara até coisas icônicas para o mundo inteiro, como um Darth Vader, um Homem-Aranha, coisas que qualquer pessoa no mundo ocidental poderia reconhecer.
Levando em consideração esse momento complicado que estamos vivendo no Brasil, de ataques às artes, esta exposição tem também uma mensagem contra a intolerância. Pode comentar essa mensagem?
Esta exposição celebra a beleza da diversidade, que é você poder se manifestar de todas as formas possíveis. Você pega esse ícone básico que é o rosto e descobre dentro desse equilíbrio mínimo uma diversidade riquíssima. Você pode ser bicho, caveira, diabo, o que for. E abre a possibilidade de interpretações para isso. Entender e respeitar a diversidade é em si um ato de tolerância, de convivência. Essa exposição é uma porta para permitir que as pessoas se entendam melhor já que as palavras, as ideias, às vezes não conseguem atravessar as epidermes difíceis das pessoas. Aqui a gente mostra que a diversidade ajuda a tornar permeável a compreensão da alteridade, daquilo que é o outro.
Essa exposição foi criada para compensar o encerramento da Queermuseu e cumprir o acordo firmado entre o Santander e o Ministério Público?
Não. Esta exposição não foi feita por isso. Ela já existia como conceito. Quando a proposta foi apresentada, a Queermuseu ainda estava aqui. Uma coisa não está relacionada a outra nesse aspecto de consequência, não é uma resposta a Queermuseu. Ela tem seu mérito próprio. Acho que a exposição faz parte de uma política tomada desde então para encontrar formas de manifestar a questão da diversidade e isso veio a calhar e faz parte do que estamos tentando fazer como agenda pública no Brasil. Podemos usar a cultura como ferramenta de compreensão entre as pessoas. Sim, ela tem o papel de ser provocadora e instigadora, mas deveria, acima de tudo, ser capaz de ser convergente e permitir que as pessoas se entendem. Esta exposição é sobre compreensão, e não sobre digressão.
ETNOS – Faces da Diversidade
- Curadoria: Marcello Dantas
- Grande hall do Santander Cultural (Rua Sete de Setembro, 1.028), no Centro Histórico, em Porto Alegre.
- Visitação: terças-feiras a sábados, das 10h às 19h, e domingos, das 13h às 19h. De hoje até 7 de outubro.
- Entrada franca.
- A exposição: reúne cerca de 160 máscaras, incluindo peças ritualísticas africanas, figurinos do teatro Nô japonês, máscaras dos carnavais veneziano e colombiano, das culturas coreanas, chinesas e indígenas das Américas, de cosplay, do cinema e da cultura pop.