Uma família paulista morou no cine Capitólio por seis anos (de 1978 a 1984). Durante esse tempo, como típico “faz-tudo”, Antônio Carlos Silva foi projecionista, pedreiro, encanador e eletricista da empresa Walu, que também administrava os cinemas Baltimore, Bristol, Center, São João e Vogue, na Capital. Já a mulher, Maria, era servente. Com a filha Alzira, que chegou com seis anos de idade, e o filho Antônio, bebê de um ano de vida, viveram em um pequeno “apartamento” no último andar do edifício situado na Avenida Borges de Medeiros, esquina com a Rua Demétrio Ribeiro, ocupando o espaço onde hoje está a área administrativa da Cinemateca Capitólio.
O caso da família que morou no cinema abriu o projeto Histórias do Capitólio, coordenado pela historiadora Alice Dubina Trusz (autora do livro Verdes Anos: Memórias de um Filme e de uma Geração, de 2016, sobre o longa-metragem de Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, lançado em 1984). A ideia é recolher depoimentos sobre a sala de cinema por meio de relatos e imagens, que estão sendo publicados nas páginas da cinemateca nas redes sociais.
Silva foi contratado quando o Capitólio passava pela segunda reforma de sua história. Em 1969, após a primeira remodelação, havia sido reaberto como Cine Premier. Em 1978, retomou o nome de origem após outra obra de reformulação. Nessa fase, Silva trouxe apenas a filha. Depois da reinauguração, buscou Maria e Antônio em São Paulo.
— Viemos, então, de mudança para cá, praticamente só com a roupa do corpo”, relata Alzira, lembrando das dificuldades financeiras da família. Ela acrescenta: “A parte mais chata era quando passavam filmes proibidos. O pai mandava trancar a porta até a sessão terminar. Se eu e meu irmão ficássemos do lado de fora e chegasse um fiscal, o cinema ia ser multado.
Ela admite que a situação que viveu não era “coisa normal”, mas diz que se sentia privilegiada à época:
— Quando a gente dizia que morava dentro do cinema, todo mundo ficava espantado, mas eu achava chique. Só tenho boas lembranças — conta Alzira, hoje merendeira da Escola Maria Andreolli Chaves, em Planalto, no interior de São Paulo, onde reside. Entre as recordações guardadas com carinho, está a do restaurante de dona Iris, onde os Silva faziam as refeições, localizado na área em que, hoje, está o elevador do prédio.
Em agosto de 2021, quase quatro décadas depois, a família retornou à Capital para uma viagem sentimental. Alzira se emocionou, particularmente, quando viu o letreiro com o nome Capitólio, na fachada do edifício, que o pai ajudou a montar. A mãe de Alzira faleceu em seguida, em novembro do ano passado. Antônio Carlos – que havia trabalhado na roça e como encanador de um condomínio em Campinas, depois de largar o emprego no Capitólio – está aposentado. Já Antônio mora em Goiânia.
O Capitólio foi inaugurado em outubro de 1928, obra do arquiteto italiano Domingos F. Rocco, como um cineteatro luxuoso, com capacidade para 1.295 espectadores. Com tela, palco, plateia e duas galerias superiores em forma de ferradura, nas primeiras décadas de atividade, alternou a projeção de filmes e espetáculos ao vivo, além de concurso de misses. À época, era um espaço glamoroso de convívio social em Porto Alegre. Restaurado em março de 2015, foi transformado em cinemateca através de parceria entre a prefeitura, a Fundação Cinema RS (Fundacine) e a Associação dos Amigos do Cinema Capitólio – a missão é preservar e difundir a memória do cinema e do audiovisual do Estado.
A programação de filmes retornará no dia 8 deste mês. O projeto Histórias do Capitólio foi viabilizado através de emenda do vereador Adeli Sell. Os testemunhos devem ser encaminhados para o e-mail (historiasdocapitolio@gmail.com). Mais informações pelo telefone (51) 3289-7457 ou nas páginas da instituição no Facebook e Instagram.