Porto Alegre já teve uma orquestra filarmônica de música popular. Música do Povo para o Povo. Esse era o slogan da orquestra, que não cobrava ingressos do público em seus concertos. Além disso, congregava mais de 50 músicos, que, embora fossem profissionais, não ganhavam cachê — no máximo recebiam uns trocados para a condução, além de lanche com refrigerante. No programa de apresentação, constava a meta de difundir a música "no seu sentido mais purista". Literalmente, os artistas trabalhavam por amor à música.
O idealizador foi o maestro Voltaire Dutra Paes, sobrinho do lendário Octávio Dutra, um dos músicos mais importantes do Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século 20, verdadeiro virtuose em instrumentos de cordas, que morreu em 1937. Nascido em 1926, Voltaire mal teve tempo de conhecer o tio, mas seguiu os passos dele, até porque a música estava inscrita no DNA da família. Em homenagem ao parente ilustre, fundou a Orquestra Brasileira Octávio Dutra, em abril de 1961, mas pouco tempo depois a rebatizou como Orquestra Filarmônica Popular de Porto Alegre. Fazia sentido. Com violinos, violões, bandolins, cavaquinhos, flautas, clarinetes, saxofones, trombones, tuba, xilofone e bateria, a Ofippa oferecia ao público um repertório que incluía desde valsa, tango, bolero, samba e bossa nova até xaxado, polca, choro e marcha-rancho. No gênero, em sua época, foi a única na América Latina e uma das cinco existentes em todo o mundo.
A princípio, os ensaios da orquestra aconteciam à noite, no sobrado da família do maestro, no bairro Petrópolis. Lá pelas tantas, Adelina Dutra — irmã de Octávio e mãe de Voltaire — se levantava da cama para fazer comida, geralmente carreteiro ou massa, para a tropa de músicos. Por sinal, Adelina tocava bandolim e, às vezes, se integrava à orquestra, o que não causa surpresa, considerando o histórico familiar.
— Lembro de me deitar para dormir ao som de violinos como canção de ninar — contou Silvia, filha do regente da Ofippa, certa vez.
Obviamente, não era a única a escutar concertos de graça. Nos primeiros ensaios, a vizinhança espiava pelas janelas para ver o que estava acontecendo. Depois, se acostumou com o brinde musical.
Quando a casa alugada foi devolvida ao proprietário, os ensaios foram transferidos para os altos do Mercado Público, na sede da Federação Riograndense de Associações Comunitárias e Moradores de Bairros (Fracab). Corria de boca em boca a ideia de municipalizar a orquestra, o que poderia garantir definitivamente sua sobrevivência. "Mas um prefeito empurrava a proposta para outro. Nunca virou realidade", anotou Sônia Porto, sobrinha de Voltaire. Ah, antes que eu me esqueça: Sônia tocava xilofone na Ofippa. Que família musical!
Sem apoio do poder público, a Ofippa sobreviveu por mais de uma década às custas do sacrifício pessoal de seu idealizador e dos músicos que dela participavam. Em vez de xerocados ou impressos, os programas dos concertos eram datilografados repetidas vezes até se chegar ao número de cópias necessárias para distribuição em cada apresentação. Menos mal que algumas empresas privadas apoiavam com anúncios publicitários — desde marcas menos conhecidas, como a Joalheria Linei, da parada 51, em Cachoeirinha, até produtos famosos na época, a exemplo da Clorofila, "desodorante e germicida de uso universal".
Essa história eu contei no livro Darcy Alves — Uma Vida nas Cordas do Violão, que lancei em 2010 pela Libretos Editora e, hoje, está praticamente esgotado (Darcy integrou o grupo de violonistas da Ofippa de 1966 a 1968). Já Voltaire, além de funcionário da Secretaria de Obras Públicas do Estado, trabalhou também como jornalista na rádio Gaúcha e nos jornais Diário de Notícias e A Hora, nos quais escrevia comentários musicais. Esses textos foram doados ao Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa após o falecimento do maestro. Ele morreu em 1990, pouco antes de completar 64 anos de idade.