A Camerino é uma rua sem saída, escondida em um recanto bucólico do bairro Petrópolis, na Capital. É o que, em países como a França, se denomina cul-de-sac (expressão que até virou título de um filme de Roman Polanski, lançado no Brasil como Armadilha do Destino, em 1966). No fundo do beco, junto ao balão de retorno dos automóveis, está a Casa da Estrela, construção inscrita na memória afetiva de Porto Alegre com uma mistura de mistério e fascínio, que completa 75 anos em 2022.
Para falar a verdade, se você seguir até o limite da Rua Camerino, vai encontrar apenas a garagem da casa. A moradia se ergue 6,7 metros acima, esculpida na borda do barranco, quase alinhada à altura da Rua Guararapes. Ao lado dela, uma escadaria pública para pedestres, com piso de pedras portuguesas vermelhas e muros sinuosos de rocha granítica, faz o elo entre as partes alta e baixa do terreno. Originalmente, a área pertencia à chácara do Visconde de São Leopoldo, uma das quatro propriedades que compunham a região de Petrópolis no século 19. O nome da casa se deve a uma estrela desenhada com cimento (mais tarde restaurada com metal) no jardim frontal pelo primeiro dono, Mário Pantoja, militar baiano que viveu ali com a família até falecer, em 2002.
Conforme o imaginário coletivo, a estrela simbolizava as teorias místicas do homem de poucas palavras e raras aparições para a vizinhança. Dizem que Pantoja praticava a meditação no torreão em formato circular do topo do prédio, com as janelas abertas para os pontos cardeais, a uma altura de quase 10 metros do nível da Rua Camerino. Outra versão, nem tão esotérica assim, é a de que a estrela era apenas uma referência à corporação do capitão do Exército. De resto, aquela é mesmo uma região tradicionalmente habitada por militares.
A história da Casa da Estrela merece ser contada não só pela aura de encanto que a envolve ou pela beleza arquitetônica da construção de estilo neocolonial, inspirada em chalés de Mar del Plata, para onde as famílias abonadas viajavam de trem à época.
— Foi moda nos anos 1940 e marcou presença não só em Petrópolis, mas também na Vila Assunção. Aos poucos, está sumindo da paisagem de Porto Alegre — diz João de Los Santos, autor de dissertação sobre a antiga residência para o mestrado de Memória Social e Patrimônio Histórico da Universidade Federal de Pelotas.
Contar a trajetória da Casa da Estrela vale a pena porque ela é quase uma exceção. Foi salva e preservada, ao contrário de tantas outras edificações do patrimônio histórico da Capital, por uma mobilização da comunidade do bairro (com a participação, inclusive, de um ilustre vizinho, o escritor Luis Fernando Verissimo), apoiada pela ação do poder público em diferentes governos.
Em 2004, o imóvel foi incluído no Inventário de Bens Culturais da cidade e, cinco anos depois, adquirido pela prefeitura. Desde 2019, está sob a guarda da Associação dos Escultores do Estado do Rio Grande do Sul (Aeergs), que — por meio de Termo de Permissão de Uso — ganhou o direito de transformá-lo em centro cultural e sede da entidade.
Depois disso, foram aplicados R$ 180 mil (entre dinheiro e material) em ações de restauração e qualificação da casa, algumas delas feitas com as próprias mãos pelos artistas. No jardim, estão instaladas obras de Xico Stockinger, Adriano Mayer, Britto Velho, Cláudia Piccinini, Leandro Machado, Mariza Fischer e Tina Felice, entre outros escultores gaúchos. No chalé, são realizados cursos, oficinas e exposições. A visitação pública é aberta de segunda a sexta-feira, das 9h30min às 16h30min. Em abril deste ano, o local será palco de grande evento para comemorar os 75 anos da Casa da Estrela, os 40 anos da Aeergs e, é claro, os 250 anos de Porto Alegre.