Assim como, certa vez, Alice caiu na toca do coelho, no clássico livro de Lewis Carroll, o músico e jornalista Jimi Joe escorregou para dentro da Toca do Disco (aberta em 17 de agosto de 1989) sem nem imaginar como sairia de lá depois. “A infinidade de sons que descobri e a simpatia do proprietário me conquistaram de pronto”, conta Jimi, que, há mais de 30 anos, frequenta a loja de vinis e CDs (novos e usados) classificada por ele como o “país das maravilhas fonográficas”.
Quando Rogério Cazzetta inaugurou o ponto (na época, tinha 24 anos), na subida da Rua Garibaldi, quase esquina com a Avenida Independência, havia apenas vinis nas estantes meticulosamente organizadas, com os nomes de artistas e bandas por ordem alfabética. À época, formado em educação física, dava aulas na escola Patinho Feio pela manhã e postava-se atrás do balcão à tarde. A partir de 1990, passou a se dedicar integralmente à Toca e, até 1992, dividiu o espaço com a locadora de filmes em VHS da irmã, Débora – a colaboração familiar persiste, já que, há 10 anos, trabalha com o filho Rafael na loja.
Ao final da década de 1980, a indústria fonográfica vivia a transição do long-play para o compact disc. Nos anos seguintes, o CD reinaria absoluto (era um dos presentes mais ofertados em datas de aniversário e Natal) e Cazzetta seria obrigado a se render, ainda que sob protesto. “A maior queixa de antigos clientes é que, naquele período, eles se desfizeram de coleções inteiras de vinis em troca de meia dúzia de CDs. Eu te digo que todos, sem exceção, se arrependeram amargamente”.
A paixão pela música foi despertada por um disco de novela, que ganhou de presente aos 13 anos de idade – a trilha internacional de Estúpido Cupido, que, por um bom tempo, não parou de tocar na vitrolinha do adolescente. O LP trazia lendas do rock como Little Richard, Chubby Checker e Elvis Presley. Algum tempo depois, ao visitar uns primos, descobriu que eles guardavam embaixo da cama álbuns de Johnny Winters, Janis Joplin, Back Sabbath e outras figuras do rock clássico, escola que moldou o gosto musical do dono da Toca do Disco.
De braço dado com a mãe, dona Sindá, Cazzetta se dirigiu até a Pop Som, na Galeria Chaves – ponto que concentrava as principais lojas de discos da Capital no começo dos anos 1980. Entre os LPs adquiridos, estavam The dark side of the moon, do Pink Floyd, e Quadrophenia, do The Who. Foi o início da coleção particular, que, mais tarde, comporia o acervo na largada da Toca do Disco (hoje, a nota fiscal da primeira aquisição está, orgulhosamente, afixada na parede da loja).
De lá para cá, a Toca sobreviveu a períodos duros de vacas magras, como o início da década de 2000, quando proliferaram CDs virgens ou regraváveis, nos quais as pessoas compunham suas trilhas domésticas no computador. “Se cometi algum erro estratégico, foi não ter comprado mais vinis na hora que estavam em baixa”. Com o ressurgimento deles, a partir da segunda metade dos anos 2000, o preço de alguns LPs, como os de Tim Maia de 1970, 1971 e, principalmente, 1975 (o cultuado Tim Maia Racional) e de compactos de ídolos da Jovem Guarda, como a dupla Leno & Lílian, hoje em dia pode chegar a R$ 1 mil. “São discos raríssimos, que, em bom estado, são supervalorizados”, atesta.
Nos anos 1990, Cazzetta patrocinou discos de artistas e bandas gaúchas como Acústicos & Valvulados, Wander Wilder, Justa Causa e Graforreia Xilarmônica, pagando estúdio e encartes em troca da exibição do logotipo da loja na contracapa. Antes disso, em 1983, havia sido um dos anônimos financiadores do álbum de estreia de Nei Lisboa, Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina, por meio da compra antecipada de bônus – os “neilisbônus”, como ficaram conhecidos na época. “Fui buscar o meu LP na Coolmeia (cooperativa que vendia produtos ecológicos na Rua José Bonifácio). Aquilo foi uma espécie de crowdfunding primitivo”, relembra.
Trinta anos depois, ele financiou 400 cópias da versão em vinil de A Vida Inteira, que Nei Lisboa recém havia lançado em CD, arcando com os custos de masterização, capa e distribuição. O lançamento do LP na Toca do Disco não foi mais alardeado porque Nei “não é dado a muita fuzarca”, explica. “Ainda tenho 15 ou 20 cópias, e fico com o coração apertado de vender para não acabar a edição”, diz Cazzetta, que antes de tudo é um apaixonado pelo disco.