Desde dezembro, o Museu Julio de Castilhos está promovendo o restauro da carruagem que pertenceu a Carlos Barbosa, médico que governou o Rio Grande do Sul de 1908 a 1913. O andamento do trabalho quase cirúrgico tem revelado descobertas surpreendentes. Exemplo: em data incerta do passado, o veículo havia sido repintado, o que não apenas encobriu a pintura original (totalmente preta) como também escondeu o friso branco finíssimo (de um milímetro de largura) que contornava a carroceria. Ambos serão restituídos na restauração com data de conclusão prevista para março.
A carruagem é do tipo Landau, de quatro rodas, leve e suspensa por molas, com a capota rebaixável e os bancos de passageiros posicionados de frente um para o outro. O veículo puxado por cavalos ganhou esse nome por ter sido produzido pela primeira vez na cidade alemã de Landau, no século 18. Já naquela época, era um artigo luxuoso destinado às famílias ricas. No século 20, a Ford se inspirou nas antigas carruagens para fabricar o Landau, versão mais requintada do Galaxie, produzida de 1971 a 1983 no Brasil. Era o automóvel predileto de políticos e empresários de sucesso na época – não por acaso, o Landau oficial da presidência da República, modelo 1982, ocupou a garagem do Palácio do Planalto até 1991.
Nascido em Pelotas, em 1851, Carlos Barbosa era de uma família tradicional de estancieiros. Formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e cumpriu residência médica em Paris. Na política, fez carreira no Partido Republicano, na trilha dos líderes Julio de Castilhos e Borges de Medeiros. Faleceu em 1933, aos 82 anos. Após a sua morte, a filha e herdeira vendeu a carruagem para um antiquário. A relíquia já estava sendo passada às mãos de um colecionador de São Paulo, quando uma mobilização de parlamentares gaúchos impediu a transação. Então, o governo do Estado adquiriu o veículo, que foi utilizado durante algum tempo para transportar convidados ilustres. Há registros de que um deles, embaixador da Itália, teria sido conduzido a bordo da elegante carruagem do Grande Hotel, na esquina da Rua da Praia com Caldas Jr., até a Praça da Matriz para visitar o Palácio Piratini.
Desde 1998, a peça estava exposta na área que interliga as duas edificações que compõem o Museu Julio de Castilhos. Embora o espaço tenha sido preparado para abrigá-la, a película protetora de raios ultravioletas do telhado transparente tinha validade de apenas três anos e não foi renovada. Com isso, os estragos foram inevitáveis. Os bancos de passageiros, por exemplo, feitos com couro de base animal e desenhados em formato de losango, ficaram a tal ponto ressecados que não será possível restaurá-los. O estofamento será refeito a partir do molde original. “Quando se fala em museu, a maioria das pessoas acredita que é composto por peças estáticas, que vão permanecer sempre da forma como entraram. Mas são objetos vivos, que sofrem degradação. Caso as condições inadequadas não sejam estancadas, o caminho é a perda total”, diz Doris Couto, diretora do museu, instituição que faz parte da Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul.
Após a restauração, a cargo de técnicos formados pelo Curso de Conservação e Restauro da UFPel, vinculados à empresa Leo Giovani Gadachi, de Canoas, ao custo de R$ 80 mil, a carruagem ganhará um novo local – o hall de entrada do museu. “É uma peça de grande visibilidade, muito atrativa aos visitantes, não só por ter pertencido a um governador, mas por ser testemunho exemplar da história do transporte no Estado. A ideia é devolvê-la recuperada para uma apreciação qualificada”, conclui Doris.