No início dos anos 1980, bandas de rock como Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso fizeram seus primeiros shows embaixo da lona azul e branca do Circo Voador, instalada, a princípio, nas areias do Arpoador e, depois, em frente aos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro. Porto Alegre não ficou atrás — armou também um circo para reverberar a barulhenta festa do rock.
Inspirado no Circo Voador (que havia sido criado pelo agitador cultural Perfeito Fortuna, em 1982), o dono do bar Escaler — Antônio Calheiros, o Toninho do Escaler – foi até São Paulo para comprar lona, mastros, palco e arquibancadas, material que chegou à Capital em três carretas, junto com um especialista encarregado de montar a engrenagem. Para bancar o negócio, Toninho usou as reservas da boca do caixa do Escaler, que ia de vento em popa, como um dos pontos de maior aglutinação do Bom Fim, bairro boêmio de Porto Alegre nas últimas décadas do século passado.
Nascia, assim, o Escaler Voador, inaugurado em 14 de dezembro de 1984, junto ao ginásio Gigantinho, na zona sul da Capital. Tinha capacidade para 4,5 mil pessoas e contava com 10 mil watts de potência sonora no palco, disponibilizando um bar embaixo da lona e outro ao ar livre (como o Escaler, para não perder o costume). Além disso, cem banheiros químicos foram colocados à disposição do público e cerca de 80 seguranças destacados para trabalhar a cada noite.
Aberta com a Tutti-Frutti (ex-banda de apoio de Rita Lee), a agenda de shows incluía Titãs, Lobão, Celso Blues Boy, Ultraje a Rigor, Magazine e João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, entre outras atrações do rock nacional. Havia espaço também para grupos locais como Musical Saracura, Raiz de Pedra e Bixo da Seda, sem falar em artistas da MPB, a exemplo de João Bosco e Tetê Espíndola.
Não pensem que a noite acabava cedo. Após os espetáculos, era hora de agitar a pista de dança no Baile da Tancredance, festa batizada em homenagem a Tancredo Neves — ninguém imaginava que o primeiro presidente civil brasileiro eleito após 20 anos, ainda que de forma indireta (no Colégio Eleitoral), morreria na cama de um hospital, antes de assumir o cargo, em abril de 1985.
Em 90 dias, tempo que durou o Escaler Voador, foram 21 shows, com público total estimado em 135 mil pessoas. O último foi o de Bosco, interrompido pessoalmente pelo prefeito João Dib, que adentrou o circo para levar em mãos a ordem de interdição, decretada a pedido dos moradores das redondezas devido ao barulho e à agitação nas longas madrugadas. Fim de festa — hora de desarmar o circo. Menos mal que, dali em diante, o rock se transferiria para o palco do Escaler, montado sob a copa de jacarandás, às margens do parque. Mas essa é uma outra história, que também está contada no livro Escaler – Quando o Bom Fim Era Nosso, Senhor!, que ajudei o Toninho a escrever, lançado em 2021.