Passado e presente dialogam no Hotel Praça da Matriz, no Largo João Amorim de Albuquerque, na Capital, em um cenário de espelhos, vitrais, sacadas, escadarias e obras de arte, como um exemplo de respeito à história de Porto Alegre, que deveria ser copiado e difundido por todos os cantos da cidade.
O solar foi construído em 1927, no epicentro político, jurídico e religioso do Estado, pelo engenheiro alemão Alfred Haesler a pedido de Luiz Alves de Castro, o Capitão Lulu, personagem controverso do início do século 20. Apesar de endinheirado, o primeiro morador do casarão não era bem aceito pela elite porto-alegrense por ser o dono do Club dos Caçadores, misto de cabaré e cassino na Rua Andrade Neves. Para ostentar status e poder, ele não poupou dinheiro na construção — o sistema de aquecimento de água, só para dar um exemplo, veio da França.
A casa foi adquirida, em 1949, pelo português Antonio Fernandes Patricio, sogro da atual proprietária Ilita da Rocha Patricio. Depois disso, em regime de locação, alojou repartições públicas da Polícia Civil, do Ministério Público e até um tal de Ministério do Carvão. Em 1976, outro inquilino a transformou em hotel, passando a hospedar desde políticos do Interior, que vinham à Capital para reuniões no Palácio Piratini ou na Assembleia Legislativa (como, aliás, acontece até hoje), até figuras populares, como Terezinha Morango, torcedora-símbolo do Internacional. Famosa por assistir aos jogos no Beira-Rio com batom espalhafatoso e uma faixa de miss no peito, gostava de abanar para fãs e amigos da sacada do hotel.
Em 2011, Ilita retomou o imóvel e, incentivada pela filha Cristine, que havia estudado hotelaria na Alemanha, restaurou o prédio com R$ 1,4 milhão por meio de financiamento do BNDES para obras da Copa do Mundo de 2014. Reaberto em 2016, o hotel demonstra como é possível dar novas aplicações a um prédio histórico sem trair a beleza do passado. Em bom estado, várias peças foram reaproveitadas com pequenos reparos, como portas, lustres e vitrais, além de tijolos de vidro que permitem a passagem de luz solar para iluminar o subsolo. Para quem aprecia a história do design, duas poltronas Wassily (modelo premiado na Alemanha em 1927) se acomodam no grande salão. Como enfeite, uma central telefônica dos anos 1940 ocupa lugar próximo a uma lareira decorativa (não acende com fogo, apenas se ilumina com lâmpadas).
Aposentada como assistente social do Hospital Psiquiátrico São Pedro, Ilita é tesoureira da Associação de Amigos do Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs). Essa proximidade ajudou a espalhar obras de artistas plásticos pelo charmoso casarão. Junto à escada, uma tela de Vera Carlotto reproduz em fotopainting o antigo Palácio da Justiça e o Theatro São Pedro, tal como eram vistos da calçada do hotel em 1927. Nanquins de Alexandre Carvalho exibem figuras masculinas e femininas trajadas com a moda dos anos 1920 nas portas dos banheiros. E, nos quartos, hóspedes convivem com aquarelas de Flávio José Prenna, pinturas em tinta acrílica sobre tela de Ilda Anders Appel e xilogravuras de Luiz Carlos Moura.
Além de políticos e turistas — muitos preferem hotéis de menor porte em função do atendimento personalizado, explica a proprietária —, não é raro esbarrar em atores de novela nos corredores, como Marcos Caruso, Alexandre Nero e Leticia Spiller. Não bastasse o conforto de hospedá-los a poucos metros do Theatro São Pedro, as produtoras ganham descontos nas diárias, em troca da inserção da marca no material de divulgação dos espetáculos.