Relembrei a chamada Campanha da Legalidade e registrei o orgulho que sinto, até hoje, pelo protagonismo do meu pai nesse episódio histórico. Hamilton Chaves, em agosto de 1961, era o secretário de imprensa do governador Leonel Brizola. Foi ele quem levou a notícia da intempestiva renúncia do presidente Jânio Quadros até o ouvido de Brizola, que assistia, entre militares, na Redenção, a uma solenidade do Dia do Soldado. Saíram de lá, juntos, no mesmo carro, para iniciar a articulação da resistência ao golpe que se esboçava. Foi o Hamilton quem informou ao governador, pouco depois, que as rádios de Porto Alegre estavam sendo lacradas pelo Exército, para evitar levar ao ar pronunciamentos (pagos) daqueles que não aceitavam o golpe – como Brizola e o Marechal Lott.
A partir disso, foi tomada a decisão de requisitar a rádio Guaíba (que ainda transmitia), instalar um microfone dela no gabinete de imprensa (no porão do Palácio Piratini) e dar início à rede radiofônica – que foi decisiva para a sustentação do movimento. Também foi iniciativa dele alertar o governador que o GreNal previsto para aquele fim de semana, provavelmente, dividiria os gaúchos em vencedores e vencidos num momento em que a coesão da população era essencial. O GreNal foi suspenso e adiado por orientação do governo estadual.
Junto a muitos outros bravos brasileiros, aqueles dias de tensão foram enfrentados por ele, dentro do Piratini, sem tempo para dormir ou fazer a barba. No pavilhão do Mata-Borrão, na Avenida Borges, na Capital, foi instalado um Comitê de Resistência e alistamento de voluntários. Conta o folclore que a gauchada de um CTG foi levar solidariedade ao governador. Brizola agradeceu e indagou se estavam “prontos para a briga”. Um deles teria respondido: “de briga mesmo, é um irmão meu, nós somos da invernada artística...” (risos).
Dias depois, passado o conflito, os sacos de areia que haviam sido usados nas barricadas e ninhos de metralhadora, diante do Palácio, foram depositados num pátio interno para posterior remoção. Um deles, a meu pedido, foi levado e pendurado na garagem lá de casa, para que eu, então com 10 anos, pudesse treinar nele usando o par de luvas infantis de box que havia ganhado de presente.
Se tenho orgulho do comportamento do meu pai, não posso esquecer da bravura da minha mãe Nilce. Na iminência do bombardeio aéreo sobre o Piratini, ordenado pelos militares golpistas, meu pai deu uma passada rápida em nossa casa, a duas quadras do Palácio, para recomendar que saíssemos urgente de lá – além de informar minha mãe que estava decidido a ficar na sede do governo para o que desse e viesse. Minha mãe, segundo depoimento dele, teria dito: “Alguém tem que fazer o que vocês estão fazendo”.
É em homenagem à ela e para tantas mulheres de valor que participaram, de uma forma ou de outra, na Campanha da Legalidade, que publico essa foto em que Nilce aparece usando o microfone e sendo aplaudida por Brizola. Essa imagem foi feita pela fotógrafa Eneida Serrano, durante as comemorações dos 25 anos da Legalidade. No palanque, armado na Praça da Matriz, em 1986, ela representava meu pai, que havia morrido no ano anterior. Brizola cedeu a palavra à professora Nilce. Recebi a foto (um presente da Eneida) quando trabalhava em São Paulo como editor de fotografia da revista Isto É. Fixei, feliz, a fotografia num mural ao lado da minha mesa de trabalho. Aos mais curiosos que perguntavam do que se tratava, eu respondia sorrindo: “Não é uma foto de minha mãe aplaudindo Brizola, mas uma foto do Brizola aplaudindo minha mãe”.