Na terça-feira (24), completaram-se 67 anos que Getúlio Vargas deu um tiro no próprio peito e deixou a vida para entrar na História. Nesta quarta-feira (25), 60 anos atrás, depois de governar por menos de sete meses, o então presidente da república Jânio Quadros renunciou ao mandato e mergulhou o país na crise. Os militares, sempre eles, não aceitaram que o vice-presidente eleito, João Goulart (Jango), sucedesse Jânio — como estava previsto na Constituição. Foi preciso que o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, articulasse a resistência e levantasse o Estado em armas, em defesa dos preceitos constitucionais. Configurado o impasse, a nação viveu dias de angústia e apreensão. Meu pai, jornalista Hamilton Chaves, era, então, o secretário de imprensa do governo estadual.
Entrincheirados no Palácio Piratini, um grupo de bravos brasileiros — entre os quais, para meu orgulho, Hamilton fazia parte —, disseram não ao golpe claramente deflagrado. O movimento de resistência ficou conhecido como a Campanha da Legalidade e foi sustentado, primeiro, pela população gaúcha, articulada por meio de uma rede radiofônica, que logo foi se ampliando e ganhando a adesão de grande parte do Brasil.
O microfone que Brizola usou para conclamar mais gente a se manter fiel à Carta Constitucional foi instalado na sala em que meu pai trabalhava, no Gabinete de Imprensa, no porão do Piratini. A insanidade golpista chegou a ponto de ordenar que o Palácio fosse bombardeado pela Força Aérea Brasileira (FAB) — o que só não aconteceu porque, mesmo entre os militares, havia aqueles que eram legalistas e esvaziaram os pneus das aeronaves, impedindo a sua decolagem da Base Aérea de Canoas. Mas é bom não esquecer que a ordem foi dada.
Assim que soube desse desatino, meu pai avisou para que nós (minha mãe, Nilce, 38 anos, minhas irmãs, Maria Teresa, 11 anos, e Maria Betânia, um ano e meio, e eu, 10 anos), buscássemos abrigo no apartamento de uma tia, que morava mais afastada do centro da Capital. Afinal, nossa casa ficava na Rua Coronel Fernando Machado, apenas 200 metros distante do alvo, o Palácio. Foi o que fizemos.
Com a adesão do comandante do Terceiro Exército, general Machado Lopes, que decidiu também se manter fiel à Constituição, os militares golpistas, percebendo o tamanho da bronca em que haviam se metido, recuaram.
Jango, que estava na China, retornou ao Brasil via Montevidéu e Porto Alegre. No esforço para apaziguar os ânimos, ele aceitou assumir com uma solução casuística, que instituía o parlamentarismo em que Tancredo Neves seria o primeiro-ministro. Posteriormente, um plebiscito viria a reestabelecer o presidencialismo.
Quando as coisas se acalmaram — e minha família já havia retornado para casa — meu pai me levou ao Palácio Piratini. De uma das sacadas, ainda pude ver um grande número de pessoas aglomeradas, em apoio ao movimento, na Praça da Matriz. A imagem dessa época, mais marcante e que havia ficado em minha memória, era a da presença de um jacaré empalhado, que estava pendurado em uma árvore da praça. Por um longo tempo, cheguei a duvidar que a cena, surrealista, fosse verdadeira e não fruto da minha imaginação de criança.
Muitos anos depois, eu, como editor de fotografia de Zero Hora, examinando velhas fotos daqueles acontecimentos históricos (para a elaboração de um caderno que relembraria os fatos), deparei com a cena gravada em minha mente. Lá estava o tal jacaré pendurado na árvore com o nome “Denys” pichado no couro. Era uma alusão ao então ministro da Guerra, Odylio Denys — um dos três membros da junta militar golpista (os outros eram o ministro da Marinha, Sílvio Heck, e o ministro da Aeronéutica, Gabriel Grün Moss) que tentou impedir a posse de Jango.