“Eles são conhecidos como os ‘pintores da luz’. Sem eles, um filme não existe. Pode-se realizar um filme sem roteiro, sem atores, sem música ou som, até mesmo sem produção. Só o fotógrafo é indispensável, pois através das imagens em movimento é que o filme ganha existência”. A observação é de Tuio Becker, na edição de Zero Hora de 4 de setembro de 1993, ao comentar a morte de Norberto Lubisco, um dos principais fotógrafos de cinema gaúcho, ocorrida um mês antes.
Nascido em Porto Alegre, em 1947, Lubisco marcou a produção cinematográfica de mais de uma geração de cineastas no Estado, desde Antonio Carlos Textor (do qual se tornou assíduo colaborador) e Sérgio Silva até Nelson Nadotti, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil. Ganhou dois Kikitos no Festival de Gramado, por Madame Cartô (1985), de Nadotti, e Presságio (1993), de Renato Falcão — este último concedido postumamente. Em 1985, aliás, recebeu o Troféu Assembleia Legislativa de melhor diretor de fotografia de curta-metragem em Gramado — naquela edição, além de Madame Cartô, havia fotografado também Carrossel, de Textor, e Ano Novo, Vida Nova, de Alpheu Godinho.
Admirado pela sabedoria, sensibilidade e competência técnica, tinha fama de saber tudo a respeito da profissão que abraçou. “Com que negativo Raoul Coutard filmou Acossado, de Godard? A que velocidade se deve rodar a câmera para filmar direto da tevê? Como se calcula a luminosidade de uma lente? Durante mais de 20 anos, sempre que algum cineasta gaúcho enfrentava este tipo de dúvida, a solução era a mesma: ‘Pergunta pro Lubisco’”, aponta o boletim da Associação Profissional dos Técnicos Cinematográficos do Rio Grande do Sul (APTC-RS), publicado logo depois de sua morte.
Era também conhecido pela capacidade engenhosa de improvisar frente aos escassos recursos da produção dos filmes da época. Em Interlúdio, curta de Gerbase e Assis Brasil, por exemplo, iluminou um supermercado com dois refletores abertos de 1.000W.
— Começamos a filmar com quatro refletores, mas duas lâmpadas queimaram e não havia dinheiro para reposição. Acho graça, hoje, quando um diretor de fotografia faz mil exigências para rodar um planinho geral qualquer — comentou Gerbase.
“Não me lembro de um gesto de vaidade, presunção ou autoelogio em relação ao que fazia. E ele era dos melhores”, escreveu o crítico Marco Aurélio Barcellos no jornal RS Informação e Análise. Homem de poucas palavras, mas de personalidade forte, Lubisco era um trabalhador consciente de seus direitos: “Curta eu faço de graça, mas longa só se vocês me pagarem o piso do sindicato”, disse a Giba Assis Brasil, ao recusar o convite para fotografar Verdes Anos, longa em 35mm, de 1984.
A ideia dos produtores era viabilizar o filme por meio de um sistema de cotas, que seriam debitadas do faturamento da fita. “Foi uma lição de profissionalismo para nós”, reconheceu Assis Brasil. Apesar da firmeza em questões sindicais, não teve dúvidas de bater em retirada da assembleia de fundação da APTC por não concordar com um artigo do estatuto – mais que isso, fiel a suas convicções, jamais aceitou se associar à entidade.
Norberto Lubisco — que dá nome a uma das salas de exibição da Casa de Cultura Mario Quintana — morreu em 2 de agosto de 1993, aos 46 anos, ao sofrer um ataque cardíaco enquanto trabalhava em um filme publicitário para a Sabesp, em São Paulo, comercial que lhe renderia um bom dinheiro.
— Tanto que deu para pagar 10 meses de atraso do aluguel do apartamento em que a gente morava na Rua Santo Antônio — conta o filho Ricardo.
As dificuldades financeiras tinham a ver com o impacto sobre o audiovisual das medidas econômicas do governo de Fernando Collor de Mello, que, no início dos anos 1990, paralisaram a produção de novos filmes. Pouco antes de morrer, Lubisco havia telefonado para a mulher, Maria Cristina:
— Finalmente, vamos conseguir tirar o pé da lama!
A morte prematura pode ter sido consequência da síndrome de Marfan, doença rara que afeta coração, vasos sanguíneos e ossos, além de olhos. Por causa dela, o fotógrafo tinha a visão parcialmente comprometida — imagina se não tivesse!
— Ele faleceu quando eu tinha só seis anos de idade, então, perdi a oportunidade de aprender com o melhor professor que poderia ter — diz Ricardo, que trabalha com edição e produção de audiovisual.