Dizem que a casa da José do Patrocínio, nº 1.056, defronte à Praça Garibaldi, havia sido uma pensão às margens da Ilhota (conjunto de favelas da Capital, que se espalhava entre Cidade Baixa, Azenha e Menino Deus até ser removido ao final dos anos 1960).
— Era uma casa de quatro ou cinco cômodos, um atrás do outro, com corredor estreito e comprido. Aparentemente, não tinha qualquer condição de rolar uma festa ali dentro — diz o DJ Fred Lima.
Contra as evidências, no início do século 21, o Atelier 5 ganhou fama como espaço de festas e atividades culturais na Cidade Baixa. Foi uma aparição efêmera e fulgurante — com agenda fixa, durou de fevereiro a outubro de 2003 —, tempo para virar uma dessas lendas urbanas, que, de quando em vez, formam-se na imaginação dos boêmios.
A princípio, a casa servia de moradia para o artista plástico Naco Guimarães e o DJ Orley Barretos Medeiros, o Jovi. Certa noite, chamaram amigos para comemorar o aniversário de Naco — vieram mais de cem pessoas. Diante do sucesso, a dupla resolveu promover festas para ajudar a pagar o aluguel. Só que, após divulgá-las, não era raro que desistissem da animação instantes antes de abrir as portas. As luzes eram apagadas como se não houvesse ninguém em casa.
— Certa vez, o Naco estava triste depois de terminar um namoro. Então, colocamos uma fita preta e amarela, dessas usadas para cercar o local do crime, e pusemos um aviso: “Interditado. Motivos do coração” — conta Jovi.
O Atelier 5 ganhou status de casa noturna quando a programação de eventos foi assumida pelo DJ Fred Lima e pelo ator Plínio Marcos, mestre de cerimônias que recebia o público à porta. Patrícia Duarte cuidava da produção e vendia bebidas no balcão — cachaça com mel (trazida do Tuim, bar na subida da Ladeira) e caipirinha servidas em copos de plástico, além de cerveja, muita cerveja em lata.
À essa altura, o único morador era Naco, que — de volta de uma incursão mística malsucedida pelo centro-oeste do país — acomodara um colchão e as tralhas no sótão. Além de festas, no Atelier 5 aconteciam saraus e apresentações teatrais, como a comédia Eu Sou Vida, Eu Não Sou Morte, de Qorpo Santo, montada por Plínio Marcos, Clarice Nejar e Luís Fernando Xavier, que ficou dois meses em cartaz num dos aposentos da casa.
Mas, sem dúvida, a principal atração do Atelier 5 eram as festas aos sábados. No auge da noite, o corredor que se estendia de ponta a ponta da casa ficava intransitável. As pessoas se acotovelavam para andar a passos lentos até a peça dos fundos, onde ficava a pista de dança. Na área externa, Naco criou um “banheiro alternativo e ecológico”. Em vez de vaso sanitário, havia uma cadeira sem assento, com um balde embaixo.
Um caninho de plástico direcionava o xixi até o ralo. No lugar da porta, uma canga azul transparente isolava o ambiente do resto da casa. Era praticamente uma instalação de arte contemporânea! E ainda cumpria a finalidade de diminuir a fila do banheiro “oficial” da casa, destinado exclusivamente ao público feminino.
Quando a lotação ultrapassava cem pessoas, a recomendação era de fechar a porta. Mas o que fazer quando, justamente nesta hora, apareciam os amigos? Plínio Marcos os deixava entrar, junto com os clientes que já estavam na fila, para não causar uma rebelião popular na calçada. A ocupação máxima registrada foi de 200 pessoas. A diversão só terminava às 6h, quando o DJ tocava uma sinfonia de Beethoven ou O Trenzinho Caipira, de Heitor Villa-Lobos. Era a senha para que todos tomassem o rumo de casa.
— É um lugar do qual muito se fala, mas poucos conheceram de fato. Esses passaram para a história como sortudos e felizes iniciados de uma espécie de culto à festa — assinala Fred Lima.
A festa acabou de vez quando, após três interdições da prefeitura por causa das reclamações de vizinhos, o Atelier 5 fechou as portas. Saiu da cena boêmia para ingressar no imaginário da noite porto-alegrense.