É provável que muitos não saibam que, por muito tempo, a ligação da Capital com o sul do Estado se deu através de balsas, que partiam do cais da Vila Assunção em direção à cidade de Guaíba.
Administrado pela Cia. de Navegação Pedras Brancas, o serviço encontrava-se bastante deteriorado no começo dos anos 1940, tanto que, em média, apenas dois veículos faziam a passagem por semana. Na época, José Baptista Pereira, diretor-geral do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), chegou a dizer que as viagens “eram tão precárias e incômodas” que era “realmente de admirar que alguém se arriscasse a tal aventura”.
Por isso, não foi surpresa quando o Daer assumiu a travessia em 1941, adquirindo barcos mais velozes, em geral de uso militar, como a barca inglesa do tipo LCT (Landing Craft Tank), usada na Segunda Guerra Mundial para carregar tanques, que precisaram ser adaptados ao transporte civil. A qualificação fez com que o movimento crescesse rapidamente, de tal modo que, em 1953, cerca de 600 veículos e mais de mil passageiros cruzavam o Guaíba a cada dia, em viagens que duravam 20 minutos.
Esse aumento do tráfego fez com que o Daer cogitasse a substituição de barcas por pontes não só na travessia entre a Capital e Guaíba, mas também no interior do Estado, como aponta a dissertação Da Era das Barcas à Era das Pontes: Os Debates em torno da Construção da Ponte do Guaíba/Travessia Régis Bittencourt (1955/1958), de Eduardo Pacheco Freitas, elaborada para o mestrado em História da PUC/RS, em 2017.
Freitas assinala que, já em 1951, havia sido inaugurada a ponte sobre o Rio Camaquã, na estrada Porto Alegre-Pelotas-Jaguarão, e, no ano seguinte, a do Rio das Antas, entre Bento Gonçalves e Veranópolis (até hoje, uma das maiores pontes em arcos paralelos suspensos do mundo).
No caso de Porto Alegre, 12 projetos foram postos na mesa do governador Ernesto Dornelles, incluindo uma ponte partindo da Vila Assunção e outra saindo da área central da cidade — havia também a ideia de construir um túnel embaixo do Guaíba. Ganhou a proposta da empresa Azevedo, Bastian e Castilhos e Cia. Ltda (ABC), que defendia a ponte com acesso pela rua Sertório — além de próxima à estação ferroviária e ao aeroporto, a opção tinha a vantagem de não sobrecarregar o trânsito no centro de Porto Alegre.
As obras, que iniciaram em 20 de outubro de 1955, com a participação de 3,5 mil operários, duraram três anos — metade do tempo de construção da nova ponte do Guaíba, que começou em 2014 e foi concluída em 2020. A inauguração, em 28 de dezembro de 1958, a princípio contaria com a presença de Juscelino Kubitschek, mas o presidente da República não compareceu, alegando compromissos marcados anteriormente. Quem apareceu de surpresa foi Borges de Medeiros, já com 95 anos:
— Eu não esperava ver esse grande empreendimento realizado — declarou o velho caudilho, que havia governado o Estado com mão de ferro de 1913 a 1928.
Conforme os jornais da época, 80 mil pessoas acompanharam a solenidade de abertura, ao término da qual 15 mil carros fizeram o percurso de 7,7 quilômetros da Travessia Régis Bittencourt (homenagem ao então presidente do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), que compreende quatro pontes sobre o Guaíba e o Rio Jacuí. A principal delas, junto à entrada de Porto Alegre, que permite a elevação mecânica da pista para a passagem de embarcações de médio porte, transformou-se em cartão-postal da Capital.
Em abril de 1959, o governador Leonel Brizola realizou uma solenidade de troca de nome para Travessia Getúlio Vargas, mas a substituição jamais foi reconhecida pelo governo federal. Coisas da polarização política da época, que envolvia PTB e PSD. Divergências à parte, a (hoje já antiga) Ponte do Guaíba marcou o adeus à era das balsas.