Há muitos anos, preservo o hábito de caminhar. “Sempre chegarás a alguma parte se caminhas o suficiente”, já dizia o Gato Risonho ao aconselhar Alice a sair da toca, em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. E, ao andar pela Cidade Baixa, não canso de passear pela Rua da República, uma das mais bonitas do bairro localizado na região central da Capital.
Talvez sejam as calçadas largas, quem sabe as copas das árvores, que, em certos trechos, formam um túnel verde sobre a pista central. Algo nela oferece ao transeunte uma graça e uma formosura que não se vê nas outras vias das redondezas, privadas de arborização e áreas mais amplas para os pedestres. Essa boniteza da Rua da República não é casual. Junto com a Avenida Venâncio Aires, ela foi construída para eternizar uma data especial na história de Porto Alegre — a da visita à Capital do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina.
A chegada do casal já havia sido anunciada em 23 de outubro de 1845, quando a Câmara Municipal propôs a abertura das duas alamedas para ligar a Várzea (área hoje ocupada pelo Parque da Redenção) ao Riacho Dilúvio (que, na época, passava junto às casinhas da atual Rua João Alfredo). O objetivo era “marcar de modo útil a próxima visita dos monarcas”, segundo as palavras do vereador Luiz da Silva Flores. Assim, surgiram as ruas do Imperador (República) e da Imperatriz (Venâncio Aires).
Por aqueles dias, foi constituída uma comissão para recolher donativos destinados a arcar com as despesas da recepção à comitiva imperial — foram arrecadados 37 contos de réis entre cerca de 460 contribuintes. Em 27 de outubro, mesmo sem ter a data oficial do desembarque (àquela altura, Dom Pedro II ainda estava em Santa Catarina), a Câmara Municipal pediu aos moradores de Porto Alegre que limpassem o lixo das calçadas e iluminassem a frente das casas quando chegasse a hora de recebê-lo, o que, finalmente, aconteceu no dia 22 de novembro.
É sintomático que a visita do Imperador tenha se dado no ano que assinala o fim da Guerra dos Farrapos. Conforme Sandra Pesavento (notável investigadora da história de Porto Alegre, que faleceu precocemente em 2009, aos 64 anos), a viagem fazia parte do esforço diplomático para apaziguar os ânimos entre o Império e os rebeldes farroupilhas, depois de 10 anos de conflito.
A estadia de pouco mais de dois meses serviu para a realização de desfiles militares, cerimônias religiosas, cavalhadas e festejos, incluindo a comemoração do aniversário de 20 anos do jovem Imperador, em 2 de dezembro. Dom Pedro II embarcou de volta para a Corte em 2 de fevereiro, não sem antes lançar a pedra fundamental do Liceu Dom Afonso, na esquina da Rua da Igreja (atual Duque de Caxias) com a Rua de Bragança (Marechal Floriano), e baixar o decreto de fundação do Colégio Santa Teresa — hoje, a construção é uma das casas de internação da Fase, na Avenida Padre Cacique, perto do estádio Beira-Rio.
Em 11 de dezembro de 1889, quase um mês após a proclamação da República, as ruas do Imperador e da Imperatriz assumiram seus nomes atuais. Nos atos que oficializaram as novas nomenclaturas, os vereadores fizeram questão de registrar que as alterações apenas formalizavam “o que já fora feito espontaneamente pelo povo”, dando a entender que a população havia antes tomado a iniciativa de rebatizá-las.
A mudança se deu em sintonia com os novos tempos da política nacional — frisa-se que o jornalista Venâncio Aires foi precursor das ideias republicanas e abolicionistas. Com o tempo, outras ruas da Cidade Baixa também adotaram nomes de personalidades que lutaram pela abolição da escravatura e o fim da monarquia, a exemplo de José do Patrocínio (ex-Rua da Concórdia) Joaquim Nabuco (antes Rua Venezianos) e João Alfredo (antiga Rua da Margem).
Aparentemente, caminhar ao léu tem algo de ocioso, improdutivo, mas é só aparentemente. Além de beleza, as ruas guardam histórias para contar. É só saber ouvi-las.