A Galeria Chaves surgiu na paisagem de Porto Alegre como símbolo de modernidade inspirado em requintadas áreas comerciais de Paris e Milão ou mesmo da vizinha Buenos Aires. Foi, de fato, o primeiro prédio da capital gaúcha que reuniu as atividades de passeio e compras, conceito que iria desembocar nos atuais shopping centers, como salienta o arquiteto e urbanista Vlademir Roman, autor, em parceria com Rodrigo Poltosi, do Guia de Arquitetura de Porto Alegre (Escritos Editora, 2017).
Construída em estilo renascentista pelo engenheiro-arquiteto paulista Agnelo de Lucca, com ajuda do austríaco Egon Weindorfer e do espanhol Fernando Corona, a passagem coberta fazia a ligação de dois polos inquietos da Porto Alegre dos anos 1930 — a Praça XV, ponto de partida e chegada de bondes que conectavam a área central a bairros e arrabaldes; e a Rua da Praia, principal eixo comercial e de convívio social da cidade. Naquela época, além de concentrar lojas, cinemas, bares, cafés e confeitarias, a Rua da Praia era palco da prática do footing, como se denominava o desfile de moças e rapazes em um tempo no qual a paquera se alimentava de caminhadas pontuadas por olhares ariscos e cúmplices.
Curiosamente, uma aparente incorreção histórica acompanha a trajetória da primeira galeria da Capital. Basta pesquisar no Google para perceber que a maior parte das menções a ela, incluindo textos de sites oficiais da prefeitura e da própria galeria, indica o ano de 1936 como data de inauguração. Essa informação, contudo, é contestada com veemência por pesquisadores como o próprio Vlademir Roman e também a arquiteta Nara Helena Machado, autora da tese Modernidade, Arquitetura e Urbanismo: o Centro de Porto Alegre (1928-1945), elaborada em 1998 para o doutorado em História da PUCRS.
— A pesquisa de campo comprova que foi efetiva e oficialmente inaugurada em 19 de abril de 1930, apesar de já estar em pleno funcionamento desde fevereiro daquele ano — afirma ela.
Para não deixar qualquer dúvida, a Galeria Chaves foi saudada na edição de 21 de abril de 1930 do jornal Estado do Rio Grande como um “refúgio providencial para os transeuntes” durante o “agreste inverno” que se aproximava. Além disso, a inauguração foi noticiada por aqueles dias também no Diário de Notícias, de Porto Alegre, além de merecer reportagem da Revista do Globo em 28 de junho de 1930. Então, qual é a razão da confusão de datas?
O equívoco teria sido induzido por uma análise imprecisa de documentos ou, quem sabe, por algum erro de digitação, que se perpetuou ao longo do tempo?
— Lamento, mas não sei explicar — responde a arquiteta, com absoluta sinceridade.