Ovídio Chaves (1910–1978) é meu tio, irmão mais velho entre os sete filhos dos meus avós paternos, Elpidio e Marieta. Hamilton (1925–1985), meu pai, era o caçula. Ovídio foi uma figura singular: jornalista, letrista, poeta, escritor, violonista e, mais do que tudo, boêmio. Nasceu em Lagoa Vermelha e morreu no Rio de Janeiro. Em torno de 1925, começou a trabalhar tocando violino em orquestras que se apresentavam nas salas de projeção do cinema mudo.
No jornalismo, ele atuou por mais de 15 anos na imprensa gaúcha (Rádio Farroupilha, Diário de Notícias e Correio do Povo). Em 1961, foi convidado pelo presidente João Goulart para ser redator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro (a mais importante da época). Defendia, com garra, as ideias e os ideais do PTB de Jango e Brizola. Com o golpe militar de 1964, foi “demitido pelo presidente da República, sem prejuízo das sanções penais que esteja sujeito”, conforme inquérito contra ele. Foi preso e torturado por “crime de opinião”, segundo a condenação. Foi recuperado quase morto pelo general Cordeiro de Farias, seu amigo pessoal. Passou a viver na Ilha do Paquetá, meio escondido e clandestinamente. Mesmo assim, trabalhava para a revista Manchete, com o editor Justino Martins, na Editora El Ateneu, com o dono, Don Herrera, e na Biblioteca Nacional, com o diretor-geral Augusto Meyer, seu amigo de boemia e poesia.
Antes, ainda em Porto Alegre, "era o Carlos Machado dos Pampas. “Dono da noite gaúcha, com as suas elegantíssimas boates Piano Drink e Clube da Chave”, como dissera Ibrahin Sued.
Em 1973, na última vez que estive com ele, no Rio, a figuraça vendia artesanato em couro, feito por ele e pela família, na feira dominical da Praça General Osório, em Ipanema. Era o decano dos hippies naquele pedaço. Mesmo quando escondido, vivia cercado de amigos, como Albino Cunha, que disse: “Obtive em Porto Alegre o novo endereço de Ovídio Chaves. Disseram-me que ele estava morando com sua mulher, Ika, e os três filhos ‘num casarão, a três metros do mar...’, em plena Praia da Moreninha. Naveguei direto para a casa do poeta. Como acontecia em Porto Alegre, encontrei a casa cheinha de gente. Violão. Piano tocando. Pintores. Gente famosa de rádio e televisão. Escritores. Gente de teatro. Jornalistas. Bebi uma batida honesta. Comi o melhor arroz de carreteiro do mundo. Fiquei feliz por rever o boêmio, o velho amigo.” Em Porto Alegre ou no Rio, Ovídio, conviveu com: Mario Quintana, que chamava-o de "Ave Noturna", Lila Ripoll, João Gilberto, Paulo Gasparotto, Erico Verissimo, Mario Lago, Fausto Wolf, Walmir Ayala, Vitório Gheno, Cecília Meireles, Augusto Meyer, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Iberê Camargo, Carlos Scliar e muitos outros. Quase todos escreveram algo sobre ele.
Ovídio tem seis livros publicados: Capricónius, Cancioneiro, Anel de Vidro, Uma Janela Aberta, ABC de Paquetá (esse recebeu o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, em 1976) e Chão de Infância (post mortem). Na área musical, seu grande sucesso nacional é a música Fiz a Cama na Varanda, gravada por Inezita Barroso, Cantores de Ébano, Maria Creusa, Dóris Monteiro, Nara Leão, Simone, entre outros, e que, hoje, já faz parte do folclore gaúcho. Ovídio foi casado com Hermínia Berthier Machado (Ika, in memorian), com quem teve os filhos Luiz Antônio, Maria Lívia e Luciano. Não por ser parente, mas que essa figura valeria um merecido livro biográfico, não há dúvida.
Colaborou Luciano Moojen Chaves, filho de Ovídio e marchand