A seguir, a segunda parte do texto da historiadora Regina Portella Schneider sobre a morte de Waldemar Ripoll:
“Em 31 de janeiro de 1934, na cidade de Rivera, Waldemar Ripoll, um dos exilados após a Revolução de 1932, foi assassinado a machadadas, enquanto dormia, por Pedro Borges, um uruguaio que lhe pedira para pernoitar em sua casa. Pedro Borges aparecera pela primeira vez na casa de Ripoll fazia 15 dias, vendendo ameixas. Com o passar dos dias, foi se insinuando e usando a residência para descansar. Três ou quatro dias antes do crime, voltou pedindo pouso. Ripoll atendeu, confiante. Após o crime, o matador fugiu sem roubar nada, levando consigo da casa, apenas, dois revólveres e as chaves.
O brutal assassinato teve grande repercussão no Rio Grande do Sul. Os jornais do Estado e de São Paulo enchiam páginas e páginas com notícias. Em Pelotas, houve distúrbios nas ruas. Grandes homenagens foram programadas para a chegada do corpo a Porto Alegre. Os exilados consideravam Ripoll o mártir de uma ideia. Davam ao crime um caráter político.
Ripoll tinha apenas 28 anos, cursara Direito e havia sido redator do jornal Estado do Rio Grande. Participara do comitê revolucionário de Porto Alegre em 1932. Tomara parte no levante de Vacaria. Por duas vezes foi preso na Capital e remetido ao Rio de Janeiro e, depois, deportado para a Europa por ordem do Governo Provisório. Em 1933, deixou Portugal, e após rápidas passagens pelo Chile e Argentina, transferiu-se para Rivera, onde chegou em março.
No relatório do Dr. Glycerio Alves, um ex-deputado que no Estado Novo (1937) assumiu a delegacia de polícia de Livramento para reabrir o caso, verifica-se que todos os depoimentos são similares ao afirmar ter sido Waldemar Ripoll um homem bastante fanático, querendo uma revolução como protesto. Era obstinado, idealista e seria pouco realista. Dele se acercavam elementos indesejáveis, devido a sua juventude e a sua boa fé.
O Governo do Estado enviou a Livramento elementos credenciados para a investigação do crime – o Dr. Dario Crespo, chefe de polícia do Estado, figura inatacável, e o melhor delegado auxiliar, Dr. Amantino Fagundes.
Após o crime, Pedro Borges se refugiou na casa de Camillo Alves da Silva. Dali, foi levado em automóvel para a estância do mesmo Camillo. No dia 16 de fevereiro, apareceu na estância um grupo de homens a cavalo, sob o pretexto de acompanhar Pedro Borges até um caminhão que o levaria a Passo Fundo. Uma cilada. Ao se aproximarem de um banhado, Pedro Borges foi alvejado, travando-se, na escuridão, cerrado tiroteio, pois Pedro Borges reagiu. Um dos homens do grupo, Vitalino Souza, também foi alvejado, mas conseguiu fugir, alcançando o território uruguaio, onde ficou escondido. Mais tarde, chegou a Rivera, prestando depoimento ao Dr. Dario Crespo. O juiz letrado de Rivera decretou a prisão preventiva de Camillo Alves, Basilício Alves e Romaguera Rodrigues. Os dois primeiros fugiram da cidade. O cadáver de Pedro Borges não foi encontrado pela polícia, porque seus assassinos o queimaram.
Foi instaurado, então, processo comum contra Camillo Alves da Silva e Felix Romaguera Rodrigues, como autores intelectuais do crime, e contra Basilício Alves, Luiz Machado, Aristheu de tal, Mario Pinto e Manoel dos Santos Vianna, como autores do assassinato de Pedro Borges, sendo identificados, como mandantes, os primeiros.
O processo seguiu: as testemunhas se desdisseram e houve a impronúncia dos réus por falta de provas, mesmo porque, diz o Dr. Glycerio Alves, havia ‘juízes que escreviam o que as testemunhas não diziam’.
Jamais seria provada nenhuma participação direta ou indireta em nenhum dos assassinatos por parte de José Antônio Flores da Cunha ou de seu irmão Francisco Flores da Cunha e, mesmo em 1937, após o golpe de 10 de novembro (Estado Novo), quando o processo foi reaberto sob a direção do Dr. Glycerio Alves, um adversário, nada seria apurado. Por fim, foi preso Camillo Alves da Silva, que cumpriu pena na Casa de Correção em Porto Alegre.
Contudo, na época da morte de Ripoll, já haviam boatos, que evidentemente não constam dos autos, de que o móvel do crime fora passional – fruto de uma rivalidade entre Camillo Alves da Silva e Waldemar Ripoll, que desejavam a mesma mulher”.
Muitos anos depois, em depoimento para a obra da historiadora Regina Schneider, o doutor Heitor Galant, ex-deputado e renomado advogado de Santana do Livramento, que acompanhou de perto os fatos e que tinha afinidade política com os correligionários de Ripoll, confirma que o crime teve motivações passionais.