Pode parecer uma afirmação surpreendente se pensada com os olhos de hoje, mas a apreciação de O Continente, publicado em 1949 já como parte de uma projetada trilogia sobre a formação histórica do Rio Grande do Sul, não chegou a ser unanimidade. Embora tenha sido popular entre os leitores desde o início, o valor da obra não foi reconhecido de imediato pelas principais vozes críticas do país.
Como contam Maria da Glória Bordini e Regina Zilberman em O Tempo e o Vento Revisitado, ensaio compilado no volume O Tempo e o Vento: História, Invenção e Metamorfose, publicado pela EdiPUCRS em 2004 para se antecipar aos festejos do centenário de Erico Verissimo:
"Aparecendo ao final da década em que os propósitos estéticos do Modernismo brasileiro (...) começavam a ser questionados e em que uma nova geração de ficcionistas aparecia – nesta década, os escritores Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Lúcio Cardoso lançaram seus primeiros livros –, O Tempo e o Vento, representado por O Continente, não chegou a fazer alarde”.
O Continente recebeu críticas mistas, umas louvando o sopro épico de sua ambição, outras apontando o convencionalismo de uma abordagem tão ampla quando a própria literatura estava lidando no período com questões relativas a sua própria representação.
A publicação dos demais volumes da saga, O Retrato, em 1951, e O Arquipélago, em 1961 e 1962, ajudou a pôr em perspectiva a realização da obra. Se continuou a ser criticado pelo uso demasiado tradicional da linguagem, o monumento literário de Erico passou a ser reconhecido como um "tour de force" em vários níveis: o amplo espectro de tempo abarcado; seu desassombro em não fugir do confronto com uma realidade histórica e política bastante complexa e até a forma como o próprio avanço do romance parece desconstruir muitas das primeiras impressões produzidas pelo Continente em 1949.
Decepções
A publicação de O Retrato, em 1951, surpreendeu público e crítica. Ali estava um outro livro, com outro tom, distante do vigor épico do primeiro volume.
"Nas críticas que se fizeram a esse segundo volume da trilogia, notei um tom quase generalizado de desapontamento", reconhece Erico no primeiro volume de suas memórias, Solo de Clarineta, publicado em 1973. Tanto Sérgio Buarque de Holanda quanto Wilson Martins, apreciadores do primeiro livro, estavam entre os insatisfeitos com sua continuação. A proposta da trilogia como um todo só se faz mais clara quando O Arquipélago torna explícita a desconstrução da obra por si mesma. Do panorama sólido do início, Erico avança a narrativa até fatos dos quais foi contemporâneo e apresentando uma multiplicidade de personagens que constituem ilhas isoladas onde antes havia uma massa continental.
Mesmo assim, ele continuou presa de mal-entendidos. Um dos críticos que ajudaram a pôr Erico no mapa para além de mero "sucesso popular", Flávio Loureiro Chaves comentou em entrevista para Zero Hora em 2012:
– A maioria não leu O Tempo e o Vento inteiro, só leu O Continente, e não chega a ver que não se trata de uma narrativa épica, de louvor à epopeia dos guerreiros do Rio Grande do Sul, mas, ao contrário disso, a degradação dos ideais dos fundadores da Província de São Pedro na tirania getulista que vai desfilar em O Arquipélago. Ele escreve um romance histórico profundamente crítico à saga guerreira do Rio Grande, porque ela vai dar como resultado a corrupção da ditadura getulista.
E Erico tem também outro mérito. Num país em que a literatura nunca foi um fenômeno de massas, seu livro, paixão de muitos leitores, nunca ficou fora de catálogo.