Adaptar o maior romance gaúcho para a despojada linguagem dos quadrinhos. E fazer isso rapidamente. Essa foi a missão dada ao artista, ilustrador e cartunista Gilmar Fraga e ao editor e crítico literário Carlos André Moreira, em 2005, ano do centenário de Erico Verissimo.
O Continente, primeira parte da trilogia O Tempo e o Vento, foi então transformada em 34 episódios publicados no jornal Zero Hora, onde os dois trabalham até hoje. A cada semana, entre junho e dezembro daquele ano, os leitores conferiam um novo capítulo na contracapa do Caderno de Cultura.
O processo criativo de Fraga e Moreira ao adaptar a obra-prima de Verissimo é o foco da exposição que abre nesta terça-feira (23/7): O Continente em Três Tempos – do Romance ao Quadrinho, 70 anos de História. A sala O Arquipélago, do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, recebeu 37 painéis com esboços, roteiros, arte final e pranchas com texto aplicado.
Ao passar os olhos de um documento ao outro, o visitante acompanha um pouco da conversa entre os dois artistas lá em 2005. Foram seis meses de convivência intensa com o livro que até hoje é a obra mais lida por Carlos André Moreira. Na adaptação, ele conta que optou por preservar os textos originais, fazendo pequenas edições e inserindo resumos.
– Reli o livro, buscando as cenas que tinham um grande impacto visual, enchendo de post-its e levando para o Fraga. O Erico era um escritor muito visual, com descrições vivas de ambientes e roupas. Ele mesmo estava aprendendo sobre aquele universo, então era muito detalhista – relembra Carlos André, também entusiasta de quadrinhos.
Às vezes, para construir uma cena, eram necessárias pesquisas aprofundadas sobre os objetos da época, como a carabina Comblain usada pelos federalistas ou o tipo de baú comum nas casas do século 18. Para os cenários, Fraga conta que acabou recuperando a história da própria família, que visitava nas férias em Viamão:
– Muitos cenários vêm da minha infância no sítio do meu avô e da minha tia, como esta cena da Ana Terra fazendo chimia: é o fogão a lenha na casa da minha avó. Já os personagens narigudos são inspirados em parentes, em tios.
Para criar o clima “certo”, o ilustrador acrescentou elementos ausentes no livro, como um cachorro:
– A ideia era fazer um resgate do dia a dia do gaúcho, buscar um pampa que não fosse idealizado.
Para marcar a divisão do livro O Continente em três tempos, os capítulos receberam tratamentos diferentes. O Sobrado é representado em tons de terra, uma estética suja para refletir a dureza do momento em que os personagens estão sitiados no casarão; Ana Terra é ilustrado em aquarelas brilhantes e coloridas que dão ar idílico à história mais remota e Um Certo Capitão Rodrigo, protagonizado por um herói aventureiro, ganhou traços em nanquim (preto e branco) que remetem à estética das HQs de Corto Maltese. A exposição, por sua vez, também quer abranger tempos diferentes: o lançamento do livro (1949), a adaptação para quadrinhos (2005) e a exibição (hoje).
No centro da sala, há uma mesa com os originais de O Continente. Páginas amareladas com textos escritos à mão e na máquina de escrever dividem espaço com estudos de Fraga e as histórias em quadrinhos publicadas em Zero Hora. Deixam claro que a criação era um processo de idas e voltas também para Verissimo. Os textos eram escritos com espaçamento duplo para dar lugar às rasuras, anotações e até desenhos. Um esforço que até hoje continua gerando outras obras de arte.
– Adaptar é sempre uma tarefa muito árdua. A parceria dos dois foi maravilhosa. O Moreira conseguiu recuperar momentos cruciais e o traço de Fraga coloca vida neles – diz a curadora da exposição, Marcia Ivana de Lima e Silva.
O Continente em Três Tempos – Do Romance ao Quadrinho, 70 Anos de História
- Abertura terça-feira (23/7), às 19h.
- Sala O Arquipélago, no 1º andar do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223), no centro de Porto Alegre.
- Visitação de terça a sexta, das 10h às 19h, e sábados, das 11h às 18h, a partir de amanhã até 17 de agosto de 2019. Entrada franca.
- A exposição: artes originais de Gilmar Fraga e roteiro de Carlos André Moreira para a adaptação em quadrinhos da obra “O Continente”, primeira parte da trilogia “O Tempo e o Vento”, de Erico Verissimo.
- Curadoria: Marcia Ivana de Lima e Silva.