No final de 1945, pouco depois de ter voltado da sua estada de mais de dois anos lecionando e fazendo conferências nos Estados Unidos, o romancista Erico Verissimo atendeu a mais um dos inúmeros convites, feitos pelas mais diversas instituições, para proferir palestras. Mas, nesse caso, foi um pouco diferente. O escritor esteve no ginásio Cruzeiro do Sul, onde estudou entre 1921 e 1923. O repórter Jorge Cordeiro registrou para o nº 399 da Revista do Globo a presença do ex-aluno naquela escola.
Erico começou falando do prazer com que realizava a palestra, pois, antes de tudo, ela lhe proporcionava uma “visita sentimental”. O escritor disse: “Fui o pior extrema-direita que o team (sic) deste ginásio já teve, e ainda me recordo dos tempos em que andava por estes corredores com a cabeça cheia de sonhos e de projetos. Aliás, foi este o único ginásio que frequentei, sem, porém, ter concluído o curso...” Contou ainda como lia, escondido pelos cantos, os romances de Eça de Queiroz, nos dias que, mesmo ginasiano, já se via tentado pelo sortilégio da ficção. Ao final de sua fala, ele respondeu às perguntas dos jovens cruzeiristas sobre os problemas sociais americanos e, naturalmente, sobre Hollywood.
Numa incursão pelas dependências do colégio, parou para sentar nos bancos escolares da sala de latim, a mesma de antigamente, onde narrou suas aventuras através das declinações e, examinando um compêndio pedagógico moderno, afirmou: “Naquele tempo o latim era um pesadelo!” O anfitrião foi o diretor Ruy Simões, com o qual pôde falar sobre sua experiência como professor de literatura latino-americana na Universidade da Califórnia e no Mills College, luxuoso ginásio exclusivo para moças. Diante de um quadro de formatura, cercado por alunos do primário, Erico revelou: “Aquele de bigode é o professor Alberto de Brito e Cunha. No meu primeiro dia de aula com ele, odiei-o, mas depois ficamos muito amigos. Aquele do centro deu-me uma nota de mau comportamento na primeira semana de internato... O paraninfo foi o reverendo Arnaldo Boherer, já falecido. Era uma admirável criatura humana, um grande amigo dos estudantes... Em 1920, nós todos estávamos mais ou menos apaixonados por Pearl White, artista de cinema, a mocinha dos filmes seriados, Betty Compton e Norma Talmadge eram também nossas namoradas da tela. Vocês talvez nunca tenham ouvido falar nessa gente... Naquele tempo o mundo estava convalescendo da 1ª Grande Guerra...”, completou.
Em certa passagem do romance Olhai os Lírios do Campo, Erico Verissimo recorda a vida nesse ginásio.