Neste sábado, dia 11, a Associação dos Juízes do RS (Ajuris) completa 74 anos de existência. Principal instituição a agregar os magistrados gaúchos, a entidade tem uma história de participação ativa em diferentes momentos da vida social da comunidade, como, por exemplo, a presença na elaboração da Constituição de 1988, que completa 30 anos.
Há um episódio vivido nos anos 1980, no entanto, que é pouco conhecido pelos juízes da nova geração, mas lembrado com humor (e alguma controvérsia) pelos mais antigos: a circulação do jornal O Jararaca. O mais polêmico e satírico informativo da Ajuris surgiu em dezembro de 1982, sob a inspiração do então juiz Juracy Vilela de Souza, hoje desembargador aposentado. Teve próspera vida até o seu último número, em junho de 1986, depois de 19 edições. Durante sua história, o Jararaca ganhou muitas definições, com uma palavra comum em todas elas: foi um jornal “irreverente”.
No livro Ajuris 60 Anos – O fazer-se da magistratura gaúcha, o escritor e historiador Gunter Axt relembrou a linha editorial do informativo. “Era um jornalzinho dirigido para notícias sociais e desportivas da entidade. O ‘número zero’ falava muito do torneio de futebol 7, comentava os pés de valsa na festa de encerramento do ano na sede campestre e brincava com o presidente Milton Martins, que, de tanto viajar para os núcleos do Interior, buscando conhecer as necessidades dos associados, já morava dentro de seu Chevrolet 400”, destaca o autor.
Vice-presidente de aposentados da Ajuris, Felipe Rauen foi testemunha do quanto o Jararaca sacudiu os alicerces da magistratura durante seu período de circulação. “O Jararaca, de início, sofreu resistência de alguns colegas mais conservadores, notadamente os integrantes do Tribunal de Justiça, naquela época um tanto ‘divinizados’ e distantes dos juízes de primeiro grau, que entendiam que a publicação expunha demais os magistrados, mas logo foi caindo no agrado de todos”, relembra.
“Penso que foi um instrumento muito importante para unir os colegas, especialmente para descontração, ao quebrar a seriedade litúrgica que se costumava exigir dos juízes, que, afinal, têm o seu lado lúdico, mesmo no exercício profissional, em que, diariamente, enfrentam dramas, mas que encontravam no Jararaca uma saudável descontração.”
O Jararaca era produzido de forma artesanal: texto feito com máquina de escrever e desenhos recortados e colocados nas páginas, que eram reproduzidas em máquinas de xerox, grampeadas e distribuídas aos leitores. O sucesso foi tanto, que começaram os problemas: como não havia fonte de custeio e a distribuição era gratuita, os poucos exemplares feitos eram disputados com entusiasmo. Das comarcas do interior do Estado chegavam queixas, pois o pessoal não recebia. A intimidade entre jornal e leitores cresceu tanto, que o periódico passou a ser conhecido apenas como Jara.
O primeiro editor do Jararaca, Juracy Vilela de Souza, lembra: “Eu chegava naquela sede campestre maravilhosa, que ninguém frequentava, e pensava: ‘Temos que divulgar mais isso... Então, fui convidado para ser subdiretor do Departamento Desportivo Social, para tentar movimentar a Ajuris. Imaginei que, se colocássemos notícias num jornalzinho de que fulano e beltrano estão jogando tênis, estão jogando futebol aos sábados, estão almoçando aos domingos, estimularíamos outros colegas a frequentar a sede campestre. E, realmente, a partir do Jararaca, a Ajuris começou a se movimentar”, recorda Juracy.
Mas o tom humorístico sempre foi acompanhado de muitas polêmicas envolvendo as notícias do Jararaca. Após uma das primeiras edições, um pretor que não gostou de uma brincadeira telefonou para os responsáveis e chamou o Jararaca de “jornaleco abominável”. Acabou virando pauta até de uma discussão no pleno do Tribunal de Justiça: enquanto uns aprovavam a descontração, outros eram contra a exposição da vida dos associados de forma tão irreverente, e alguns falavam em agressão à magistratura.
Talvez a melhor sentença tenha vindo do magistrado Rui Portanova, publicada no Jararaca número 4: “O Jararaca morde? Ouço opiniões antagônicas. Uns gostam, dizem mostrar nova imagem dos juízes: alegres, descontraídos, mas sempre responsáveis. Outros são contra: fala-se em mácula de postura. Aprecio as brincadeiras com os colegas e sobretudo estes pelo desprendimento. Por outro lado, confesso: não gostaria de ser mordido, digo, citado…”.
Na execução manual do jornal, Juracy contava com a ajuda de sua secretária, Elizabeth Tavaniello (hoje juíza aposentada), que tinha a tarefa de recortar os textos datilografados que, depois de colados em folhas de papel, seriam copiados. Anos depois, ao assumir como juiz eleitoral e também coordenador das zonas eleitorais de Porto Alegre, acumulando as funções com as tarefas em sua Vara, Juracy ficou sem tempo para seguir com a publicação. Foi o fim do Jararaca.