O sarau, que chegou ao Brasil em 1808, com a corte portuguesa, constituiu-se numa das formas de lazer da elite porto-alegrense. Em seu conhecido romance A Moreninha (1844), Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) narra este evento de cunho artístico e social celebrado entre amigos. O sarau assumiria um caráter popular somente no século 20, após os anos 1940. Nos saraus da antiga Capital, sonetos eram recitados, ouvia-se música e, aos convidados, eram oferecidos chá, licor, biscoitos e doces.
Criado pelo italiano Bartolomeo Cristofori (1655-1731), o piano era a joia da casa. Nele, tocavam-se valsas, havaneiras, shotings, czardas, polcas e o velho minueto. Enquanto os pares dançavam, mães e avós ficavam com os olhos fixos nas moças e nos rapazes, em nome da moral familiar. Havia também os jogos de prendas e adivinhações.
A diversão, à noite, nas primeiras décadas do século 19, limitava-se a poucos espaços, pois a parca iluminação da cidade era motivo de medo e insegurança. Com exceção do sarau doméstico, havia locais considerados de “má fama”, exigindo discrição dos frequentadores, conforme destaca a historiadora Núncia Constantino (1944-2014) no artigo A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre Moderna, publicado em 1994. Em 1834, 200 lampiões a óleo de baleia passaram a iluminar as ruas da Capital. A utilização do querosene, em 1864, não mudou a rotina do porto-alegrense, habituado com um serviço de iluminação precário. À noite, havia o toque de recolher, quando soavam os sinos da Igreja Matriz, pontualmente às 21h no inverno e às 22h no verão.
Caso não houvesse o brilho da lua, a cidade ficava ainda mais escura. Sem uma autorização oficial, o cidadão não podia permanecer na rua. Implantada a iluminação a gás, em 1874, a vida noturna do morador da Capital ficou mais atraente. O censo de 1872 registrou 43.988 habitantes, entre livres e escravos. Após a proclamação da República (1889), os saraus continuaram em destaque na sociedade gaúcha.
No começo do século 20, essas reuniões ocorriam às quintas-feiras e aos sábados, com início às 20h, quando a moça mais velha da família sentava-se ao piano. De acordo com Athos Damasceno Ferreira (1902-1975), em Imagens Sentimentais da Cidade (1940), o retorno à capital gaúcha de jovens recém-formados fazia com que as mocinhas acordassem com expectativas em relação a um casamento promissor.
O sarau era, com certeza, uma ocasião propícia para iniciar-se um namoro. Cadeiras de palhinha, lustres de cristal, cortinas com laçarotes, além de espelhos e de retratos de família, compunham o cenário. Preparado com esmero pelos anfitriões, na varanda havia uma mesa com diferentes tipos de doces, como o pão de ló feito com ovos de pata, considerado uma deliciosa iguaria. Se no século passado o piano ocupava o lugar de honra na casa, nas ruas destacava-se o violão.
Na Praça da Harmonia, à beira do Guaíba, atual Praça Brigadeiro Sampaio, os seresteiros dedilhavam seus violões, exaltando o amor. Devido a reclamações quanto ao barulho, Achyles Porto Alegre (1848-1926), em seu livro Flores entre Ruínas (1920), conta que, na Capital, as serenatas, nos primeiros anos da República Velha (1889-1930), foram proibidas por Barros Cassal (1858-1903).
No Ano-Novo da virada do século, a população se encantou ao ver na chaminé da Fiat Lux o letreiro com os dizeres “Salve o século XX” iluminar-se com a eletricidade. Quando as lâmpadas se acenderam, a urbe começou a vivenciar a modernidade da Belle Époque gaúcha.
Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do MCHJC (Musecom).