No limite entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus, o Areal da Baronesa – antigo território negro na capital gaúcha – popularizou-se devido à presença das casas de religião de matriz africana, ao seu Carnaval de rua, ao futebol e às tradicionais rodas de samba.
A modernidade e os interesses econômicos atropelaram a tradição, removendo grande parte de seus moradores para regiões periféricas da cidade, a exemplo do bairro Restinga. Outros resistiram e permaneceram na Avenida Luiz Guaranha, que, na realidade, é uma pequena rua sem saída. Considerado um quilombo urbano, ali vivem em torno de 80 famílias. O nome Guaranha é uma referência a um caixeiro-viajante que, até meados dos anos 1980, alugava casebres reformados por ele. A origem do nome Areal da Baronesa está ligada à chácara de Maria Emília de Menezes Pereira (1802-1888), herdada do seu esposo João Baptista da Silva Pereira (1797-1853), o Barão do Gravataí. Proprietário de um estaleiro, ele construiu, em 1826, um imponente solar, onde hoje se encontra o Instituto Pão dos Pobres (parte do muro e das grades e o portão pertenceram ao solar).
Naquele local, havia uma extensa área de terras, cuja espessa vegetação servia de esconderijo para os escravizados fugidos de seus donos. No ano de 1845, D. Pedro II e sua esposa, Theresa Cristina, hospedaram-se no famoso solar. Graças à hospitalidade do proprietário, o imperador lhe conferiu o título de Barão do Gravataí.
O nome Areal da Baronesa é devido à areia avermelhada que ali existia, próximo ao Guaíba, e à figura da baronesa do Gravataí, cujo título nobiliárquico foi dado por D. Pedro II, em 1853, após a morte do esposo. As ruas, nominadas com os respectivos títulos nobiliárquicos do casal, cruzam-se numa esquina no bairro Cidade Baixa: Barão do Gravataí e Baronesa do Gravataí.
Além do solar, segundo a tradição, havia uma outra residência deles, localizada na esquina da Avenida Luiz Guaranha com a Rua Baronesa do Gravataí. Após o incêndio do solar, em 1875, a baronesa enfrentou uma crise econômica, que a levou a lotear a imensa propriedade. Após a sua morte, em 1888, o lugar passou a ser ocupado por negros alforriados da senzala da chácara.
Adão Alves de Oliveira (1925-2013), o seu Lelé, foi o primeiro Rei Momo negro, coroado no Areal da Baronesa, reinando de 1949 a 1952. A partir dos anos 1930, surgiram blocos carnavalescos, como Ases do Samba, Seresteiros do Luar, Nós, os Democratas, Viemos de Madureira, X do Problema, a tribo carnavalesca Os Caetés e Tô com a Vela. Este último, liderado pelo célebre Rei Momo Vicente Rao (1908-1972), foi um bloco de humor no qual os homens se travestiam. Os blocos com essa característica foram extintos em 1970, durante o regime militar. O samba do Bar da Doca, que se localizava na Rua Barão do Gravataí, iniciava na sexta-feira às 21h e seguia até a madrugada de segunda-feira.
Os amigos Ben Hur, Quinzinho, Vando e Setembrino, entre outros nomes, ficaram famosos nas rodas de samba que ali ocorriam. Com imensa torcida e 19 títulos, a Sociedade Recreativa Beneficente Imperadores do Samba (1959) tem suas raízes no Areal da Baronesa. Nos anos 1970, Bedeu e Leleco fundaram o Grupo Pau Brasil. Oriundos também da comunidade do Areal, esta dupla é precursora do samba-rock.
De 1994 até 2003, a Academia de Samba Integração do Areal da Baronesa competiu no Carnaval de Porto Alegre. Totalizando em torno de 70 crianças, a bateria mirim Areal da Baronesa do Futuro, sob a coordenação de dona Cleusa Astigarraga, continua a tradição do eterno berço do samba. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), publicado no Diário Oficial da União em julho de 2013, reconheceu o lugar como área remanescente de escravizados. Em 11 de julho de 2015, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, entregou à comunidade do Areal da Baronesa a lei número 11.871, que dá titulação ao lugar como terras oriundas de quilombos.
Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação HJC