A morte de uma gestante no Brasil após tomar a vacina de Oxford/AstraZeneca ligou o alarme pela segunda vez por conta de possíveis riscos provocados pelo imunizante contra a covid-19. O caso, registrado no Rio de Janeiro, levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a recomendar, na noite de segunda-feira (10), a suspensão imediata da aplicação da vacina em grávidas. Enquanto isso, o Ministério da Saúde investiga se há relação entre a morte da mulher e o uso do imunizante produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Segundo a Anvisa, a suspensão é uma medida de precaução tomada diante da insuficiência de dados que avaliem a segurança do produto para gestantes. A agência disse que a bula da AstraZeneca deve ser seguida, e nela não constam informações sobre aplicação em grávidas. Chamado off label, o uso fora da bula só deve ocorrer mediante avaliação individual de um médico que pese os riscos e os benefícios do imunizante quando ingerido por uma paciente em fase de gestação.
No entanto, a Anvisa frisou que mantém a recomendação para que a vacina de Oxford/AstraZeneca continue sendo aplicada dentro das indicações descritas na bula, já que, até, o momento, "os benefícios superam os riscos", diz a agência. O imunizante já havia gerado discussão no início do ano quando alguns países suspenderam seu uso após registrarem casos de trombose em vacinados. Em abril, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concluiu que os coágulos sanguíneos devem ser considerados como um efeito colateral "muito raro" em quem tomou a vacina.
Sobre a morte da gestante
A Anvisa divulgou um informe técnico explicando com detalhes a recomendação de suspender a aplicação da vacina de Oxford/AstraZeneca em grávidas. No documento, consta que o caso da mulher que morreu no Rio de Janeiro se tratou de "trombose com plaquetopenia", notificado na sexta-feira da semana passada (7) pela própria fabricante, a Fiocruz.
A suspeita é de que a vítima tenha sofrido um "evento adverso grave de acidente vascular cerebral hemorrágico com plaquetopenia ocorrido em gestante e óbito fetal". A mulher, de 35 anos, estava com 23 semanas de gravidez. Foi hospitalizada no dia 5, perdeu o bebê no dia 6 e morreu no dia 10.
Não temos dados publicados de segurança sobre qualquer uma das vacinas usadas atualmente em grávidas
EDUARDO SPRINZ
Médico que coordenou o estudo da vacina de Oxford/AstraZeneca no RS
De acordo com a Anvisa, ainda não foi encontrado outro evento adverso grave envolvendo uma gestante que recebeu a vacina de Oxford/AstraZeneca. O Ministério da Saúde seguirá investigando se a morte da mulher no Rio tem a ver com a aplicação da vacina.
Opinião de especialista
Chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o médico Eduardo Sprinz coordenou o estudo da vacina de Oxford/AstraZeneca no Rio Grande do Sul. Em entrevista à Radio Gaúcha nesta terça-feira (11), ele frisou que nenhuma vacina contra a covid-19 tem estudo publicado que indique a segurança quando aplicada em gestantes.
— Não temos dados publicados de segurança sobre qualquer uma das vacinas usadas atualmente em grávidas. Existe estudo sobre esse uso com a vacina da Pfizer/BioNTech, mas não temos resultados sobre segurança e eficácia dela. Se uma gestante me procurar, hoje, eu vou dizer isso, que não temos pesquisas que comprovem a segurança de qualquer vacina contra a covid-19 nessa população — afirmou o médico.
Sprinz também disse que, quando foi feito o estudo da vacina no Estado, grávidas manifestaram interesse em se tornarem voluntárias dos testes, mas sua participação não foi permitida. Ele também ressaltou que a decisão de vacinar gestantes e puérperas foi do Ministério da Saúde.
Por outro lado, o médico infectologista afastou o risco de a vacina de Oxford/AstraZeneca fazer mal aos bebês. Segundo ele, as puérperas que receberam a primeira dose do imunizante podem amamentar seus filhos.
Imunização de grávidas com outras vacinas
Países como Estados Unidos e Reino Unido consideram as vacinas da Pfizer e da Moderna mais seguras para serem aplicadas em gestantes. Elas utilizam uma tecnologia chamada RNA mensageiro (mRNA), diferente do imunizante de Oxford/AstraZeneca, que usa adenovírus para gerar a reação imune no organismo. O mRNA é uma engenharia genética para induzir a resposta imunológica, enquanto o adenovírus é vírus inativado. De acordo com a Anvisa, "casos de trombose com plaquetopenia é um evento adverso muito raro, potencialmente relacionado a vacinas que usam adenovírus como plataforma".
Até o momento, há mais informações disponíveis sobre o uso das vacinas de mRNA em mulheres grávidas. Isso porque mais de 100 mil gestantes já foram vacinadas nos EUA até o começo deste mês — em sua grande maioria, com doses da Pfizer e da Moderna. Não houve relatos de efeitos adversos significativos nessa população.
Um estudo que analisou a aplicação da Pfizer e da Moderna em 35 mil grávidas americanas foi publicado em 21 de abril no New England Journal of Medicine. A pesquisa informa que, em um primeiro momento, não foram observados riscos à saúde dessas mulheres. A conclusão aponta a necessidade de realizar análises mais abrangentes e com prazos maiores de observação.
A Alemanha é um dos países mais reticentes em relação à vacinação de gestantes contra a covid-19. O comitê de vacinação recomendou que apenas grávidas com maior risco de complicações pelo coronavírus deveriam ser vacinadas. Por outro lado, entidades médicas se juntaram para publicar um manifesto sustentando que há informações suficientes sobre a segurança das vacinas que usam o mRNA.
Israel foi um dos primeiros países a recomendar que gestantes sejam imunizadas contra a covid-19, após o aumento no número de grávidas que tiveram complicações de saúde por causa da doença. O país estruturou seu esquema de vacinação com o produto da Pfizer, mas também estabeleceu acordo com a Moderna, ambas com a tecnologia de mRNA.
No Brasil, das três vacinas em uso até o momento, apenas a da Pfizer tem essa tecnologia. No entanto, ela ainda é aplicada em baixa escala.
Como o Rio Grande do Sul reagiu
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) foi além da recomendação da Anvisa e ampliou a restrição a mulheres que estão passando pelo puerpério, período que compreende os 45 dias após o parto. Algumas cidades gaúchas começaram a suspender o imunizante, como Porto Alegre, Santa Maria, Caxias do Sul, Pelotas e Rio Grande, entre outras. Na Capital, as grávidas devem buscar a vacina da Pfizer em quatro postos de saúde: Modelo, IAPI, Santa Marta e Santa Cecilia (veja aqui como será a vacinação na Capital nesta quarta-feira, dia 12).
Estamos estabelecendo protocolos para monitorar a vacinação de gestantes, não só essas que receberam a vacina da AstraZeneca, mas as gestantes em geral
TANI RANIERI
Chefe do Centro Estadual de Vigilância em Saúde
Uma cidade contrariou a orientação de suspensão e informou que vai seguir aplicando a vacina de Oxford/AstraZeneca nas grávidas: Esteio, na Região Metropolitana. A prefeitura, porém, orientou que as mulheres devem apresentar prescrição médica que libere a aplicação da vacina. O Executivo municipal se baseia na nota técnica da Anvisa emitida nesta terça. O entendimento é de que o texto recomenda a suspensão do uso em gestantes que não tenham laudo médico. "Cabe aos médicos que acompanham as gestantes avaliarem a relação benefício-risco para orientar sobre iniciar o esquema vacinal contra a covid-19. Conforme bula da vacina Oxford/AstraZeneca/Fiocruz, este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica", diz o texto da Anvisa.
Segunda dose
Em relação às gestantes e puérperas que já tomaram a primeira dose de Oxford/AstraZeneca, a recomendação é que elas aguardem orientações sobre a segunda injeção — o que não é um problema, já que o intervalo entre doses desse imunizante é grande, de três meses.
A nota técnica da Anvisa aponta que "não há evidências científicas disponíveis que indiquem riscos aumentados de eventos tromboembólicos com plaquetopenia na administração da segunda dose da vacina Oxford/AstraZeneca/Fiocruz naqueles que receberam a primeira dose e não apresentaram o evento adverso".
De acordo com a SES, não foi registrada até o momento nenhuma reação grave após o uso de qualquer vacina contra a covid-19 em gestantes no Rio Grande do Sul. Conforme a chefe do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, Tani Ranieri, o Estado vai emitir uma nota tranquilizando essas mulheres que já tomaram a primeira dose de Oxford/AstraZeneca.
— Estamos estabelecendo protocolos para monitorar a vacinação de gestantes, não só essas que receberam a vacina da AstraZeneca, mas as gestantes em geral. Nesta nota a gente vai orientar os sinais e sintomas que seriam os de maior agravamento — disse ela.