A pandemia de coronavírus apresentou o público leigo a uma série de drogas que não eram conhecidas até se tornarem, por vias tortuosas, sinônimo de esperança ou solução para vencer a covid-19. Cloroquina e hidroxicloroquina, indicadas para a malária e defendidas com fervor pelo presidente Jair Bolsonaro — que alega estar se tratando com esses comprimidos durante seu período de convalescença —, são motivo de acalorados debates há meses, enquanto o antiparasitário ivermectina vem ganhando espaço e defensores mais recentemente.
Até agora, não há eficácia comprovada de nenhuma dessas drogas contra a infecção por coronavírus, de quadros leves a graves. O infectologista Claudio Stadnik, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, participará da condução de um estudo encabeçado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sobre o desempenho da ivermectina em doentes contaminados pelo coronavírus. Quanto a esta e outras medicações ainda sem lastro científico, ele pede prudência.
— Não tome medicamento sem conversar bastante com o seu médico e ouvir a opinião dele. Não siga o que está sendo dito nos vídeos, nas lives, nas redes sociais — alerta Stadnik, considerando a quantidade diluviana de fake news que inunda a internet. — Todo mundo quer uma solução mágica, eficaz e barata, mas isso é o que gente quer. Normalmente, a realidade é diferente — acrescenta.
Em informe divulgado no final de junho, a Sociedade Brasileira de Infectologia listou medicamentos que vêm sendo recomendados ou usados contra a covid-19. Os especialistas da entidade reforçam que ainda é necessário aguardar resultados científicos de pesquisas sérias e bem sustentadas em relação aos três compostos mencionados neste texto.
Cloroquina e hidroxicloroquina
Indicações
A principal diferença entre os dois remédios é que a hidroxicloroquina tem menos efeitos colaterais e potencializa a ação anti-inflamatória quando comparada à cloroquina. Ambas são indicadas para o tratamento da malária, de doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide, e doenças fotossensíveis.
Compra
São vendidas somente mediante a apresentação de receituário médico controlado.
Contraindicações
As medicações são contraindicadas para quem já teve qualquer tipo de arritmia cardíaca (descompasso nos batimentos do coração), crianças, idosos, gestantes, lactantes, alérgicos a compostos da fórmula e doentes hepáticos (hepatites, cirrose). Pessoas que nunca tiveram problemas cardíacos — ou que não sabem que têm — também podem sofrer arritmias.
Uso
Em geral, são de uso diário contínuo para controle das enfermidades para as quais são prescritas. O tratamento não deve ser interrompido.
Ação no organismo
Ainda é motivo de estudos científicos. Sabe-se que agem sobre as células, impedindo uma determinada via de inflamação no interior delas — ou seja, bloqueiam o processo inflamatório dentro das células. Esses remédios não atuam necessariamente em cima do vírus ou do protozoário, mas impedem que eles consigam circular dentro das células, fazendo com que morram porque não conseguem se multiplicar.
Interações medicamentosas
Não há uso concomitante de outro remédio que seja especificamente perigoso, mas qualquer outra medicação que possa causar arritmias deve ser usada com muita cautela.
Riscos da superdosagem
Ingerir doses superiores àquelas indicadas na bula pode trazer problemas, inclusive provocando aumento da mortalidade.
Precauções
Não se automedique. Quem toma remédios por conta própria pode desconhecer informações fundamentais para a sua saúde. Consulte um médico se tiver indicação de uso da medicação ou a intenção de utilizá-la — os dois devem conversar e tomar uma decisão juntos.
Por que foram cogitadas contra o coronavírus
São medicamentos conhecidos e testados há décadas. Em experimentos laboratoriais, observou-se que vírus não se multiplicavam por conta da ação anti-inflamatória dos fármacos, mas estudos com foco no coronavírus não conseguiram demonstrar eficácia.
Estudos
A cloroquina e a hidroxicloroquina têm sido motivo de acirrada disputa científica desde que o coronavírus começou a se alastrar a partir da China, em dezembro passado. Até agora, não há uma pesquisa robusta e respeitável que sustente a indicação para utilização dessas substâncias tanto para casos leves quanto para quadros graves de covid-19. Diversas investigações foram interrompidas porque não estavam se mostrando promissoras. A Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu suspender seus testes em diversos países.
Ivermectina
Indicações
Trata-se um excelente antiparasitário. É usado para combater lombriga, piolho, sarna e estrongiloidíase, uma infecção por parasita intestinal que pode causar quadros bem graves, inclusive com comprometimento pulmonar. Também se aplica à oncocercose, conhecida como cegueira do rio, comum em certas regiões da África.
Compra
Liberada. Não é necessário apresentar receita médica na farmácia.
Contraindicações
São poucas, uma vez que se trata de um remédio considerado seguro quando ingerido nas doses adequadas. Doentes hepáticos graves (com cirrose, por exemplo) precisam ser bem orientados.
Uso
Os comprimidos de 6mg agem durante muitas horas, por isso a dose única é suficiente para eliminar as verminoses mais simples.
Como funciona no organismo
A ivermectina também tem ação intracelular, impedindo que o protozoário consiga se multiplicar.
Interações medicamentosas
Não há riscos relevantes.
Riscos da superdosagem
Há relatos de hepatite medicamentosa provocada por ivermectina ingerida em excesso, dada a propagação dos boatos de que a droga teria poder de prevenir ou tratar a infecção por coronavírus. Dependendo da severidade da doença, o paciente pode ter como única solução a espera por um transplante de fígado.
Precauções
Pessoas com alergias à ivermectina não devem tomá-la novamente. Alérgicos a outros medicamentos devem ter precaução.
Por que foi cogitada para combater o coronavírus
Depois de descoberta, a droga ficou anos em stand by. Quando constatado seu efeito sobre os vermes, passou a ser utilizada mais intensamente. Com o avanço das pesquisas com cultivo de vírus, testaram-se inúmeros medicamentos na tentativa de se descobrir quais seriam eficazes no combate a eles — aí se constatou que a ivermectina conseguia inibir o avanço e a multiplicação desses microrganismos.
Estudos
Idealizado pela Universidade Federal de Pernambuco, um ensaio clínico randomizado (estudo em que os participantes são sorteados pelos pesquisadores) será realizado em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Serão acompanhados pacientes infectados pelo coronavírus, com diferentes níveis de gravidade, em Recife, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Um grupo será medicado com ivermectina, e outro receberá placebo. A partir dos resultados, será possível determinar se o medicamento é eficaz contra a covid-19 ou não.
Fontes: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e infectologista Claudio Stadnik