Aprovada para uso em humanos em 1987, a ivermectina é uma droga antiparasitária que teve o uso em massa certificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como tratamento para a oncocercose, doença comum em regiões da África e conhecida popularmente como cegueira do rio. Agora, o medicamento é investigado como antiviral para combater o coronavírus
Aqui no Brasil, um grupo de pesquisadores se prepara para colocar em prática estudo para testar a eficácia do medicamento no tratamento da covid-19.
Publicado no início de abril, no Antiviral Research, um estudo feito na Austrália apontou que o uso da droga reduziu a replicação viral do sars-cov-2 em cultura de células, ou seja, in vitro. Embora tenha indicado resultados promissores, como antiviral contra o vírus da covid-19, os próprios autores destacam a importância de uma investigação mais aprofundada para atestar os benefícios em humanos.
É exatamente isso que um ensaio clínico randomizado, proposto pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em conjunto com a Santa Casa de Porto Alegre e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pretende: verificar a eficácia desse medicamento na transmissibilidade e no tratamento da covid-19 em profissionais de saúde. Aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), a pesquisa conta com a participação de especialistas de Pernambuco, do Ceará, de Goiás, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.
A iniciativa de investigar a ivermectina contra o coronavírus surgiu após algumas observações da pesquisadora Denia Fittipaldi Duarte e da médica e coordenadora-geral do ensaio, Taciana Padilha de Castro. Taciana, que acumula experiência no uso da droga como antiviral no combate à febre chikungunya, explica que o medicamento parece inibir a entrada do vírus na célula o que, consequentemente, impediria sua replicação.
— O mecanismo de ação pelo qual a ivermectina atua como antiviral parece estar relacionado ao bloqueio na entrada do vírus no núcleo da célula, através da inibição de uma proteína intracelular, a importina. Ela é responsável por transportar o sars-cov-2 para o núcleo celular do hospedeiro, onde o vírus utilizará a maquinaria da célula, necessária para a sua replicação — diz.
A partir do projeto, destaca Taciana, será possível esclarecer se a ivermectina, nas doses e na frequência de administração propostas, teria eficácia na melhora da doença e/ou na redução da transmissibilidade do vírus.
— Teremos três protocolos com o uso da ivermectina: dois para estudar a transmissibilidade, com 700 participantes, e um para estudar o tratamento, com 200 doentes covid-19 — detalha a médica.
Entretanto, após ser submetido ao CNPq-MCT, o projeto não foi contemplado com nenhum recurso financeiro. Dessa forma, conta apenas com o investimento dos próprios pesquisadores e da iniciativa privada. Em razão da ausência de recursos, o ensaio vai, inicialmente, investigar apenas a ação do medicamento no tratamento da covid-19.
— Esperamos contar com o apoio de outras empresas e de indústrias que queiram participar através de doações para que possamos desenvolver o projeto na integralidade dos objetivos propostos, que é avaliar o papel da ivermectina no tratamento e na transmissibilidade _ conclui Taciana.
RS também testará medicamento
Com coordenação central na UFPE, o ensaio terá um braço gaúcho, liderado pelo infectologista Claudio Stadnik, da Santa Casa de Porto Alegre. Stadinik lembra que a ivermectina vem sendo pesquisada em diversos locais e nas mais diversas frentes: desde pacientes doentes graves até os menos graves. Ele acrescenta que, além de barata, a droga tem um perfil de tolerância considerado bom.
— Os efeitos colaterais são poucos, bem menores que os da hidroxicloroquina e da cloroquina. Para saber se tem efeito, o único jeito é com ensaio clínico — avalia.
O ensaio deve começar nos próximos dias, e os resultados preliminares devem ser divulgados três meses após o início da testagem.