Por Frei Marcelo Monti
Desde 28 de agosto de 2018, estou caminhando pelo nosso continente. Por que viajar a pé se há tantos outros meios? Aqui cabe a clássica resposta: e por que não? Em 2013, quando vi numa rede social um vídeo de um americano que havia chegado ao Rio Grande do Sul desde seu país natal, pensei: “Eu também posso fazer o mesmo”. Para aqueles que duvidam, os mais de 5,7 mil quilômetros que percorri entre o sul do Brasil, o Uruguai, a Argentina, o Chile, a Bolívia e o Peru em quase um ano de caminhada atestam que, sim, é possível viajar a pé.
E esse é somente o início, pois o projeto Caminho de Aline – Uma Volta ao Mundo a Pé pela Vida e Contra a Aids prevê passar por 70 países e pelos cinco continentes nos próximos nove anos.
O que busco? O que aprendo? Como a viagem tem me ensinado a amar mais e a viver a vida com mais paixão? Penso que essas deveriam ser as perguntas mais frequentes quando as pessoas me encontram caminhando, mas parece que estamos tão fixados em dinheiro que a pergunta que mais escuto é “como financias tua viagem?”. Eu mesmo fiz essa pergunta há alguns anos a Jean Beliveau, um canadense que visitou a pé 64 países. Ele me disse:
— Confie na bondade do ser humano, faça o bem e terás tudo o que realmente necessitas.
Vivi isso já em meus primeiros dias de viagem, quando cheguei a São Lourenço do Sul e uma família, sem me conhecer, deixou a chave da casa para que eu pudesse descansar enquanto eles estavam em outra cidade. No dia seguinte, enviei uma mensagem a minha anfitriã agradecendo pela confiança e ela respondeu dizendo que “nós decidimos confiar nas pessoas e essa crença nos trouxe grandes amigos”. Estou convicto de que essa viagem não seguiria se não fossem os inúmeros gestos de bondade que encontro.
Nossa maior contribuição ao mundo é nossa vida vivida com gosto e intensidade. Conciliar essa vivência com transformação social é melhor ainda. A morte de minha irmã Aline por aids levou-me a fazer dessa viagem um lugar para refletir sobre estigmas e sonhar com um mundo mais empático e amoroso.
Nesse primeiro ano de projeto, fui recebido por mais de 300 famílias, cada dia um novo horizonte e um mesmo principio: estar por inteiro onde estou. Assim, o lugar mais bonito é o que estou agora e as melhores pessoas são aquelas que estão convivendo comigo hoje.
Foram mais de cinco anos de planejamento, tentei prever vários detalhes da viagem, mas não esperava que esta caminhada me trouxesse tanta serenidade. Quando, em uma noite em pleno deserto do Atacama, quebrou o eixo do carrinho no qual levo meus poucos pertences, pensei: “Agora não posso solucionar esse problema, o que posso fazer é dormir”. E assim o fiz.