Às vezes vazia, às vezes inexistente: a falta de cobertura em guaritas de guarda-vidas no litoral norte gaúcho vem deixando banhistas desprotegidos. Em alguns casos, a ausência das estruturas deixa pontos cegos na faixa de areia. Em outros, a falta de efetivo ou de estrutura para o trabalho dos socorristas faz com que a vigilância fique inoperante em alguns horários.
Zero Hora percorreu praias de seis municípios entre sexta-feira (4) e sábado (5): Torres, Arroio do Sal, Capão da Canoa, Imbé, Tramandaí e Balneário Pinhal. Na maioria delas, foi possível constatar ao menos um problema. A construção de guaritas é de responsabilidade das prefeituras. Já a contratação de guarda-vidas é feita pelo Estado.
Guaritas destruídas pela ressaca
Torres é onde se concentra o maior problema de ausência de guaritas. Parte das estruturas foi destruída durante uma ressaca no inverno. No início da temporada de verão havia sete pontos inexistentes. Desde então, foram construídas quatro novas casas.
Mas ainda restam três áreas comprometidas, como na altura da guarita 3, na Praia Grande. Durante a tarde de sexta-feira (3), muitas pessoas tomavam banho, mesmo sem proteção. O empresário Wellington Júnior, 34 anos, diz estar evitando ir ao mar.
— É muita falta de proteção pros turistas. A gente fica meio resguardado pra entrar no mar, só entro até o joelho — afirma.
No centro de Capão
Em Capão da Canoa, a guarita 78, no centro da cidade, estava desguarnecida por volta das 13h55 deste sábado (4). Mesmo assim, o ponto estava movimentado, com grande número de banhistas dentro e fora d´água.
Na praia de Araçá, ainda em Capão, há um espaço vazio entre as guaritas 69 e 71. Entre os dois pontos há uma distância de 600 metros. No meio do caminho, deveria existir a estrutura de número 70, mas ela não está no local.
Em toda a faixa litorânea, a distância entre as guaritas varia. Mas costuma ser em média de 300 metros, podendo ser maior ou menor conforme a quantidade de banhistas em cada área.
No espaço desguarnecido não havia indicativos de local inapropriado para banho quando a reportagem esteve no local. Guardas-vidas questionados sobre a proteção afirmaram não possuir estrutura operacional para garantir agilidade em um eventual resgate nesse ponto.
Área de pesca
Já em Arroio do Sal, não foram registrados problemas na área central. Em alguns balneários mais afastados, como Esmeralda, há uma área de pesca de cerca de 1,5 km e que, portanto, não possui guaritas, por não ser um local adequado para banho. No entanto, não há placas suficientes informando a população sobre a restrição, que, sem informação, entra no mar em pontos não indicados.
Nas três praias mais ao Sul percorridas pela reportagem, foi observada pelo menos uma área de banho desprotegida em cada uma delas entre o começo da manhã e o início da tarde de sexta-feira (3).
"Guarita fantasma" em Tramandaí
Em Tramandaí, um dos principais municípios do Litoral Norte, muitos banhistas se aventuram no mar diante de uma "guarita fantasma". A estrutura de concreto exibe, além do número de identificação 144, uma placa afixada na parede traseira onde se vê um sinal de proibido nadar e se lê "Risco de morte. Banhe-se próximo aos guarda-vidas", com setas apontando para a esquerda e para a direita. Aquele ponto está desativado.
Por isso, ao longo de uma faixa de aproximadamente cem metros, junto à área central da praia, não há socorro garantido. Mesmo assim, todos os dias centenas de veranistas se arriscam na água. Uma parte deles nem percebe que a guarita, na verdade, está vazia.
— Puxa, nem sabia que estava desativada. Eu até iria ao mar, porque só molho as canelas, mas é ruim — afirma a moradora de São Leopoldo Elza Gandin, 58 anos.
O abrigo está sem uso devido às más condições de conservação: os pilares de concreto estão corroídos. Comerciante de um quiosque localizado atrás da guarita, Tainara Bitencourt afirma que já foi feito até abaixo-assinado para que a guarita seja recuperada.
— Já faz alguns anos que está assim. A cada verão, dão uma desculpa diferente, e segue sem uso. Algumas crianças até sobem lá, o que é perigoso. Qualquer dia, desmorona — conta Tainara.
Sem efetivo de guarda-vidas
Em Imbé, foram identificados dois problemas: a guarita 135 estava vazia por volta do meio-dia, e não existe o abrigo de número 131. Os postos de guarda-vidas saltam do número 130 para o 132, o que deixa uma extensão de mais de 500 metros de mar sem proteção. Em relação ao ponto em que há estrutura, mas não uma equipe, militares que atuam nas proximidades informaram que há falta de efetivo para aquele local.
— Sempre trocamos o ponto da praia onde a gente fica. Aqui, como não tem ninguém (para socorrer), é preciso aumentar o cuidado na água - afirma o veranista Juliano Jesus, 27 anos, sentado sob um guarda-sol na região desguarnecida.
Em Balneário Pinhal, mais ao Sul, restaram apenas os quatro pilares de madeira da antiga guarita de número 202. Segundo o comandante dos guarda-vidas no município, tenente Fausto Gusmão Althaus, serão feitas tratativas com a nova gestão municipal para tentar reconstruir o ponto de observação - cuja ausência deixa um vazio de cerca de 500 metros na areia.
- Uma ressaca levou a guarita, e não foi construída outra no local - lamenta Althaus.
A orientação dos guarda-vidas é tomar banho de mar apenas nas áreas em que há equipes presentes para prestar auxílio caso necessário. Elas podem ser identificadas pela presença de bandeiras no topo das guaritas.
Falta de pessoal
A explicação para que algumas guaritas fiquem desativadas durante alguns períodos do dia se dá pela falta de efetivo. Partes das estruturas, chamadas de "não permanentes", operam com um intervalo de duas horas e uma única dupla para os dois turnos. Nesses casos, as guaritas ficam vazias em horários que variam entre 12h e 14h. Já as permanentes ficam ativas durante todo o horário de funcionamento, entre 8h e 19h.
Número ideal
O coordenador adjunto de finanças da Associação dos Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Abergs), tenente-coronel Mateus Bordignon, acredita que, se o número de guardas-vidas fosse maior, esses “buracos” de horário não existiriam. Segundo ele, há um déficit de 230 guardas. Atualmente, conforme o Corpo de Bombeiros, há 960 agentes, entre permanentes (militares) e temporários (civis), atuando na Operação Verão.
— O número ideal seria de 1.200 para que todas as guaritas não trabalhassem com nenhum intervalo. Cada guarita necessita de pelo menos quatro guarda-vidas, algumas até mais pelo fluxo de banhistas — explica.
O efetivo reduzido é impulsionado por uma queda no número de guardas civis contratados de forma temporária para a operação. Um balanço da União Gaúcha de Guarda-Vidas Civis (Unigv) aponta para uma redução anual de pessoas contratadas desde a temporada 2021/2022.
Em três anos, a quantidade de aprovados passou de 404 para 304, conforme os dados, uma diminuição de 25%. De 2022 para 2023 a redução foi de 4%, de 2023 para 2024 de 6%, e do ano passado para a temporada atual de 16%.
Falta de interesse
— Entendemos como o principal motivo dessa redução de interesse, é o salário defasado que é pago aos guarda vidas civis temporárias (R$ 3.500 para três meses de trabalho). As consequências atingem não somente os banhistas, mas a população de todo o Estado. Menos guarda vidas civis gera uma necessidade maior de convocação de militares para a cobertura das áreas de banho que por consequência desassiste os quartéis onde eles estão lotados — argumenta o presidente da Unigv Gustavo Machado da Silveira.
O que diz o Corpo de Bombeiros
Órgão responsável pela contratação dos guardas e por manter a operação, o Corpo de Bombeiros Militar afirmou, através da assessoria de imprensa, que mantém patamares semelhantes de guarda-vidas em relação às últimas operações (967 em 2022/23, 1030 em 2023/24 e 960 em 2024/25). Além disso, a corporação destaca que, para esse ano está operando com quadriciclos e motos aquáticas, o que, “otimiza a capacidade de cobertura em toda a orla e dá celeridade nos atendimentos de emergência.”
Por mais que não fale em falta de efetivo, o órgão traz alguns fatores que contribuem para uma menor procura de guardas temporários, como a seleção rigorosa, por exemplo.
Por fim, o CBM recomenda que o banhista nunca entre no mar em áreas que estejam sem guarda-vidas, e que procure sempre o ponto mais próximo que possua monitoramento.
O que dizem as prefeituras
Em relação à ausência de guaritas, a reportagem questionou todas as seis prefeituras das praias visitadas:
Tramandaí
Será entregue um conjunto de 15 guaritas renovadas no verão — das quais seis foram concluídas. Conforme a prefeitura, questões climáticas atrasaram o andamento das obras. A guarita 144 deverá ser instalada em um outro ponto após análise do comando dos guarda-vidas, mas não foi informada uma data exata para isso ocorrer.
Balneário Pinhal
A Coordenação de Comunicação da prefeitura afirma que foi montada uma força-tarefa para resolver questões pendentes do município após a troca de gestão na prefeitura, em 1º de janeiro, como a conservação das guaritas, além de outros temas como coleta de lixo e conservação dos acessos à beira-mar.
Imbé
A Secretaria Municipal de Comunicação informou, por meio de nota, que as guaritas estão sendo reformadas através de uma parceria público-privada, onde empresas exploram com publicidade parte das guaritas e, em contrapartida, fazem as reformas e manutenção. Uma guarita foi entregue nesta semana, no Centro da cidade, e tem mais quatro, em balneários da Zona Norte, que serão entregues na próxima seman".
Arroio do Sal
O secretário de turismo de Arroio do Sal diz estar ciente sobre as ausências das placas indicando áreas de pesca. Segundo Luciano Costa, a antiga gestão não instalou–as corretamente, e que 32 sinalizações devem ser colocadas até segunda-feira (6).
Torres
A prefeitura de Torres informa que a demora para a construção das novas guaritas ocorreu devido a um problema no processo de licitação ocorrido na gestão anterior. O município diz já ter refeito quatro estruturas e erguerá as três restantes até a próxima terça-feira (7).
Capão da Canoa
A prefeitura de Capão da Canoa sinalizou ter recebido os questionamentos, mas não forneceu respostas até a publicação da matéria.